No mês de junho, durante os Jogos da Juventude Escolar do RN (Juverns) em Mossoró/RN, um atleta de 16 anos foi vítima de injúria racial enquanto participava de uma partida de basquete. Na história que foi acompanhando pelo TCM Notícia, sempre que o jovem pegava na bola para jogar, ecoavam gritos da arquibancada imitando sons de macacos. Apesar de absurdo, o caso não é isolado.
De acordo com dados da Coordenadoria de Informações Estatísticas e Análises Criminais (Coine) da Secretaria de Segurança do Estado (Sesed), no Rio Grande do Norte em média um crime de injúria racial foi registrado a cada três dias no ano de 2022. Segundo o levantamento da Sesed, de 1º de janeiro a 30 de outubro de 2022, o estado registrou 124 crimes de injúria racial, em 2021 foram 106 casos, um aumento de quase 17%.
Já em relação aos casos de racismo no RN, a incidência é menor, mas um aumento também foi observado no comparativo: de 6 casos em 2021 para 11 casos em 2022, crescimento de 83,3%.
INJÚRIA RACIAL X RACISMO
Clara Costa, advogada, explica que o crime de injúria racial é uma forma qualificada do crime de injúria: “O crime de injúria racial, também conhecido como injúria preconceituosa ou discriminatória, é a forma qualificada do crime de injúria e ocorre quando o ofensor realiza essa conduta se utilizando de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”, explica Clara.
Já o crime de racismo é resultante de preconceito de raça e cor, e acontece quando há o impedimento no exercício de algum direito que todos possuam, ou quando há uma discriminação genérica, por motivos de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Segundo a advogada, “diferente da injúria, o racismo atinge uma coletividade indeterminada de pessoas, é um processo sistemático de discriminação que atinge todo um grupo, o qual é eleito como critério de distinção para se estabelecer desvantagens materiais ou valorativas”.
Apesar das particularidades de cada crime, como ambos têm como pano de fundo a discriminação com base na raça, Clara Costa explica que é possível afirmar que toda injúria racial é racismo, mas nem todo ato de racismo, considerando a sua repercussão e abrangência, será crime de injúria.
Em relação aos números dos crimes no RN, a advogada diz que acreditar existir uma subnotificação nos casos, que envolve as dificuldades das pessoas pretas terem acesso à justiça. “Uma vez que o racismo é estrutural, os procedimentos formais para se buscar direitos, que gera o registro de dados, muitas vezes é dificultado a ponto de desestimular ou até impedir o acesso à justiça das vítimas e consequentemente do registro destes crimes. Outro ponto alarmante é que o racismo produz, todos os anos, altos índices de vítimas fatais, principalmente entre jovens pretos e pardos. Então este dado pode não aparecer, dentro deste índice de racismo, simplesmente porque a existência de quem o registra é constantemente ameaçada”, diz Clara Costa.
ALÉM DOS NÚMEROS E ESTATÍSTICAS
Para além das questões jurídicas, os números de crimes motivados por cor ou raça no estado são reflexos do racismo estrutural que persiste no país. Para a antropóloga e coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da UERN, Eliane Anselmo, o aumento identificado nos dados do estado podem ser consequência de dois fatores: a sociedade brasileira ter passado se sentir mais “confortável” para expressar o racismo, ao mesmo passo que as pessoas pretas, que sofrem o preconceito, passaram a se sentir mais encorajadas a denunciar as violências.
“Declarações racistas publicizadas e a priori, sem nenhuma consequência, perpetuam opressões racistas seculares na sociedade. Por outro lado, as pessoas estão mais encorajadas a denunciar os casos de racismo e injúria racial, desde que também se aumentou no país os incentivos, através de instituições públicas, universidades e organizações não governamentais, que garantem por exemplo, o atendimento jurídico e psicológico às vítimas, o que é muito importante. As políticas públicas de combate ao racismo e demais formas de discriminação têm cumprido seu papel, mas mesmo assim, muitas pessoas ainda temem e acenam para a morosidade da justiça brasileira nas punições desse tipo de crime”, diz a antropóloga.
Eliane Anselmo explica que, tanto as leis, que por exemplo, passaram a configurar o racismo como crime, quanto as demais políticas públicas e ações afirmativas voltadas para o combate do preconceito racial e reparação histórica para o povo negro, têm sido avanços importantes, no entanto, ainda não são suficientes para garantir uma igualdade racial efetiva. Para ela, a base dessa mudança está na educação.
“Reconhecer o Brasil como um país racista, com uma cultura nacional pautada no mito da democracia racial, e assim, investir numa educação que valorize o povo negro e o inclua efetivamente nas estruturas das sociedade, é o principal caminho. Trilhado a passos lentos, mas que já começa a mostrar resultados. A valorização da cultura e da identidade étnico-racial do povo brasileiro, tem, sem dúvida, melhorado a vida das populações que foram historicamente excluídas no país. Mas ainda tem muito a se fazer. A educação é sempre um bom começo”, conclui a antropóloga.