“É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. Esse provérbio africano diz que uma pessoa se desenvolve não somente a partir dos aprendizados do núcleo familiar, mas a partir de toda a comunidade que ela vive e se relaciona. No caso de Abigail Bessa, 20 anos, foi preciso uma aldeia não só para criá-la, mas também para ajudá-la a realizar seu maior sonho: ser médica.
Quilombola com origem na comunidade do Pêga, em Portalegre/RN, Abigail recebeu na última sexta-feira (28) a notícia que tinha sido aprovada em Medicina na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) no Estado da Bahia. “Desde de criança foi meu sonho”, disse a jovem ao TCM Notícia.
Abigail nasceu e cresceu na comunidade do Pêga, onde vivem cerca de 50 famílias de origem quilombola. Como a localidade fica na zona rural de Portalegre, a estudante sempre enfrentou a distância como obstáculo para ter acesso à educação. Quando conseguiu ser aprovada para estudar no Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) em Pau dos Ferros, precisou deixar a comunidade temporariamente.
“Eu tive que passar todos os anos do meu IF morando com minha avó. Então eu tive que abandonar meus pais, sair da comunidade do Pêga e só visitar meus pais nos finais de semana, porque eu era bolsista no IF e eu ia às 5h e voltava às 20h”, conta Abigail Bessa.
Foram quatro anos de muito esforço e estudos, tudo para ter um bom desempenho no Enem. A formatura no IF aconteceu em fevereiro. Ela já estava se preparando para fazer cursinho e estudar mais um ano para tentar passar em Medicina quando recebeu a aprovação na UEFS. Os anos no Instituto Federal foram importantes não só para a formação acadêmica, mas para a formação pessoal e social de Abigail. A escolha da Universidade foi feita pensando na valorização do seu povo.
“No IF eu sempre participei dessa discussão do quanto era importante ser quilombola, das lutas que a gente passa. Quando eu procurei a UFSC na Bahia, vi que era uma faculdade que sempre debatia essa ideia de lutar por as pessoas pretas, quilombolas e indígenas, foi aí que identifiquei”, diz a estudante.
Abigail é a primeira pessoa da comunidade do Pêga a passar no curso que é o mais concorrido do país. A aprovação foi comemorada por ela, pela família, e por toda a comunidade, que desde sempre apoiou o sonho da jovem. “Meu pai chorou muito, porque ele sempre abdicou das coisas dele para ver os filhos formados. A minha mãe e o meus irmãos também sempre me motivaram. E essa conquista não é só minha, mas da minha família, da minha comunidade. Está sendo a realização de um sonho para todo mundo”, fala Abigail.
A estudante diz que a ficha que vai realizar seu grande sonho ainda não caiu, e que talvez só acredite de fato que ele vai se concretizar “quando sair do Pêga e chega na UEFS”. As aulas ainda demoram alguns meses, e devem começar em julho. A mudança para a Bahia já está sendo organizada, e a ansiedade para começar é grande. “Estou bastante ansiosa para estudar o que sempre quis e tentar dar meu máximo para que todas as minha metas sejam alcançadas e retribuir com meus frutos a Importância da minha família e da minha comunidade”.
Mesmo sem ter começado o curso, Abigail já sabe o que quer para o futuro. Agora, seu maior desejo é atuar como médica na sua comunidade, e assim retribuir para o seu povo, tudo que fazem por ela.
“Tenho muita vontade de realizar projetos e ações sociais, ajudando a minha comunidade a ter mais acesso às políticas públicas sem burocracia e retribuir o que eles sempre me proporcionaram, conforto e vontade de vencer. Eu tenho um sentimento de muita gratidão pela minha comunidade e tenho vontade de ajudá-los no que for possível, isto utilizando os frutos do meu esforço”, afirma a quilombola.
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