Natural de Pau dos Ferros/RN, Ricardo Nunes, 25 anos está em contagem regressiva: em dezembro ele conclui a faculdade de Medicina. A conquista que já é celebrada por ele e pela família representa um futuro diferente do que enfrentou na infância. No início dos anos 2000, Ricardo foi beneficiário do Bolsa Família, e hoje faz parte da porcentagem de potiguares que não precisam mais do apoio do programa social.
“As responsabilidades eram enormes, morávamos em casa alugada, não conhecemos a fome, mas enfrentamos diversas inseguranças”, conta o estudante ao TCM Notícia.
Ricardo foi fruto de uma gravidez na adolescência, quando ele nasceu o pai e a mãe tinha 14 e 17 anos, respectivamente. Cinco anos depois tiveram o segundo filho, e as responsabilidades aumentaram. O pai não concluiu o ensino fundamental e começou a trabalhar cedo. A mãe conseguiu concluir o ensino médio, mas o cursar uma graduação não foi uma opção.
“Certa vez, escutei de alguém a seguinte frase que é uma verdade: “estudar leva tempo e conseguir algo pelo estudo leva mais tempo ainda”. E tempo era uma coisa que meus pais não tinham, pois precisavam criar duas crianças, logo não conseguiram muitas coisas por meios acadêmicos… Como eles não tinham experiências, eles precisaram adentrar no mercado de trabalho informal, sem carteira assinada e sem direitos”, relembra o jovem.
Com duas crianças e a insegurança do trabalho informal, eles precisaram recorrer aos programas sociais. Frequentemente a mãe de Ricardo buscava o Cadastro Único para atualizar os dados da família, e aguardava o dia que seriam contemplados.
“O nosso nome parecia não sair nunca. Até que fomos aprovados, inicialmente, no “Programa de Erradicação do Trabalho Infantil” (PETI) e posteriormente passamos a receber o bolsa família. Lembro que fomos beneficiários do programa por uns 4, 5 anos, e o valor recebido era menos de R$ 100, o que, na época, fazia e fez uma diferença na renda da nossa família”, diz Ricardo Nunes.
O Bolsa Família foi criado em outubro 2003 e teve o objetivo de unificar os programas Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio-gás e o Programa Nacional de Acesso à Alimentação. Além de garantir renda básica para as famílias em situação de pobreza, o Programa busca integrar políticas públicas, fortalecendo o acesso das famílias a direitos básicos como saúde, educação e assistência social.
Ricardo conta que quando criança o benefício, somado aos esforços dos pais, possibilitou que ele e o irmão não largassem os estudos, além de garantir a segurança alimentar dos dois.
“Nós nunca nos acomodamos com o benefício, nunca enxergamos ele como um sustento, como algo que queríamos receber para a vida e nunca fizemos mal uso do dinheiro recebido… Sempre o vimos como uma certeza, uma garantia financeira mensal frente as incertezas dos empregos informais dos meus pais”.
Com o passar dos anos, surgiram oportunidades de empregos formais para os pais do estudante. Ambos tiveram as carteiras assinadas e passaram a receber salários fixos. Foi nesse momento que a mãe de Ricardo procurou o Cras e solicitou o desligamento do Bolsa Família. “Tínhamos uma renda melhor e outras pessoas precisavam ser contempladas. Lembro que ela foi bastante criticada, por pessoas próximas, mas foi algo que ela julgou ser o justo e foi feito. Após isso, nós conseguimos nos sustentar por conta própria e passamos, de beneficiários, a defensores convictos do programa”, fala o estudante.
De acordo com dados do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), que realizou estudos sobre o destino dos filhos de beneficiários do Bolsa Família, 54,6% dos beneficiários dependentes do Programa em 2005 no Rio Grande do Norte não se encontravam mais no Cadastro Único 14 anos depois, em 2019. Ricardo faz parte dessa porcentagem.
Ainda segundo o IMDS, 15,7% dos potiguares que eram dependentes beneficiários do Bolsa Família em 2005 ainda continuavam cadastrados no CadÚnico em 2019, mas não recebiam mais o benefício, e 27,9% ainda constavam na lista de pagamento do Bolsa Família após os 14 anos.
O estudo do Instituto ainda mostrou resultados positivos na melhoria da escolaridade e no acesso ao mercado de trabalho. Novamente a história de Ricardo ajuda a ilustrar o impacto do programa social.
Em 2014 o pai dele faleceu, e o estudante se dedicou ainda mais a fazer valer o esforço dos pais. Em 2018 ele conquistou uma bolsa de 100% no Programa Universidade Para Todos (ProUni) para cursar Medicina na Universidade Potiguar (UNP) em Natal/RN. Durante os anos de faculdade o estudante contou com o apoio da mãe, mas também teve de novo o apoio de políticas sociais.
“Mainha que sustentou as pontas e eu sempre tive muita ajuda de pessoas próximas. Além disso, o PROUNI fornece uma bolsa permanência para todos os alunos com bolsa 100% e com curso com carga horária maior que 6h por dia, para garantir que a gente foque no estudo e não precise trabalhar. Então desde que entrei no curso que recebia uma bolsa mensal”, explica.
Ricardo se forma em dezembro deste ano. Além de ser o primeiro médico da família, ele faz parte da nova geração da família que, diferente da anterior, conseguiu conquistar o diploma de ensino superior que ajuda a mudar realidades. Mesmo não sendo mais beneficiário do Bolsa Família, o estudante faz questão de defender o programa, que foi fundamental para garantir a segurança alimentar e o permanência na escola.
“O Bolsa Família foi uma grande oportunidade para a minha família, enquanto os nossos esforços não davam resultados, enquanto as outras oportunidades estavam sendo traçadas e aproveitadas. E ele foi primordial para que os nossos esforços ficassem focados em áreas importantes, como os estudos. Por isso, acredito que essa conquista de concluir uma graduação, para além do meu esforço próprio, está ligada a oportunidade de estudo que sempre tive e que, por algum período, foi oportunizada pelo Bolsa Família”, afirma Ricardo Nunes.
Para ele, o Programa precisa ser visto como algo provisório, e como uma oportunidade para que pessoas em situação de vulnerabilidade possam conseguir ascensão social. “O número de pessoas que necessitam ser cobertas pelo programa devem ser cada vez mais expandidos, para que mais pessoas possam ter suas vidas transformadas e o programa possa funcionar na prática, como é previsto na teoria, sem deturpações”, finaliza.
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