A lei e a resolução que trataram da polêmica questão, em momento algum definiram juridicamente o que se pode entender por pré-candidato e se talvez tivesse delimitado, institucionalizaria, por conseguinte, a pré-campanha. Como não o fez, em tese, basta estar filiado a um partido político, ou militar em certas condições, para estar em condições de se falar em pretensa candidatura.
Repetimos o que já dissemos nos textos anteriores, de que a discussão de determinadas questões que comentaremos a seguir, relacionadas ao que a própria lei chama de propaganda antecipada, foi trazida pela legislação não para os pretensos candidatos, mas para o cidadão/eleitor e para os partidos políticos, que, ao menos em tese, saem fortalecidos com as novas regras. E o nosso desafio é sair do papel.
A possibilidade de se mencionar claramente a candidatura, desde que não se faça pedido explícito de votos, é muito mais uma tentativa de se priorizar os partidos políticos e os próprios filiados, do que individualizar os pretensos candidatos, já que, no momento oportuno, com a efetiva escolha de quais dos filiados irão concorrer aos cargos, teremos sim a campanha aberta, com o contato direto com o povo, livre das amarras ainda impostas pela regra de que a propaganda mesmo só se inicia a partir de 16 de agosto.
E se não fosse assim, porque se delimitar a menção à pré-candidatura somente às seis situações contidas na Res. TSE nº 23.610/2019, situações estas todas, de algum modo, reformuladas ou acrescidas pelas leis 12.891/2013 e 13.165/2015.
Não se pode, contudo, interpretar a restrição do que se caracteriza como propaganda antecipada fora do sistema como um todo. Em outras palavras, defendemos que o chamado pré-candidato, mesmo podendo informar essa condição e realizar alguns atos de divulgação, não pode fazer propaganda eleitoral, porque esta é limitada a quem é candidato e a partir de 16 de agosto. Afora essas condições, como exceção, afiguram-se somente as situações legais que não são consideradas ilícitas, justamente porque são atos de pré-campanha sem conotação de propaganda, por previsão expressa da legislação.
Portanto, mesmo respeitando parte da doutrina, desde as eleições passadas, que já se inclina para uma liberação bem maior do que a dada pelo legislador, ousamos divergir para interpretar a ampliação como uma nova estruturação de uma fase que deseja claramente viabilizar a discussão de ideias como um todo, por parte das instâncias partidárias, a qual reputamos mais do que correta, já que sabemos que na prática o partido não vem fomentando a carga ideológica que deveria fazer e que, na realidade, é a essência para a sua própria existência.
Que partido político é esse que não discute com a sociedade quais são os seus projetos e plataformas?
Dentro dessa limitação natural, pelo momento do processo, é que iniciaremos com os comentários ao primeiro inciso do art. 36-A, da Lei das Eleicoes, rememorando os leitores quanto ao caput, de modo que sempre se destaque a própria lei e resolução que tratam da matéria:
Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)
I – a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico; (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)
A primeira observação que fazemos é quanto à autopromoção do filiado que em dado momento se intitule como pré-candidato, o que em tese é possível. Contudo, essa autopromoção pessoal não pode extrapolar ao ponto de iniciar a propaganda de sua eventual candidatura, sob pena de desnaturação do próprio novo sistema delineado e do antigo.
Portanto, o que não pode ser feito no período de propaganda eleitoral permitida, não poderá ser feito antes desse período, sob os auspícios dessa exaltação de suas qualidades, e nessa parte trazíamos como exemplo a vedação de facebook patrocinado, utilizado por alguns pré-candidatos, contudo agora a lei passou a permitir tal ato, porém no período de propaganda propriamente dito e não na pré-campanha, que como vimos sequer deveria assim ser intitulada, rememorando uma das primeiras decisões nesse sentido:
“É indiscutível, nos dias atuais, o alcance e a importância das redes sociais como facilitadora da comunicação, sendo, pois, um dos canais mais democráticos ao alcance do cidadão, em vista da sua natureza gratuita. Entretanto, para sobreviver, como qualquer rede gratuita, o Facebook possui mecanismos para atrair recursos financeiros, sendo um deles o anúncio ‘patrocinado’, que é utilizado pelo usuário para impulsionar suas publicações, cujo valor pago varia de acordo com o número de pessoas que serão impactadas pela postagem”.
“O anúncio ‘patrocinado’ suprime consideravelmente o caráter democrático da rede social, ferindo – no caso da pré-campanha eleitoral – o princípio da isonomia entre os pré-candidatos, privilegiando aquele que dispõe de mais vigor financeiro para custear suas publicações, permitindo, assim, atingir um número infinitamente maior de usuários do que conseguiria através de um anúncio gratuito. Em vista dessa desigualdade, a Lei Eleitoral, taxativamente, em seu art. 57-C, vedou a veiculação de qualquer tipo de propaganda paga na internet”. TRE/PE. Em nossa terceira edição do livro abuso de Poder nas eleições.
Já no que tange ao primeiro inciso supra, verificamos claramente que a abertura propiciada pelo caput em si quanto à menção à candidatura, consoante se confirma nos parágrafos que em outro texto comentaremos em específico, em conjunto com a exposição das plataformas e projetos políticos, não pode ser individualizada, logo a ideia aqui é de que os filiados, dirigentes de partidos e até mesmo eventuais candidatos iniciem o processo de discussão com a sociedade quanto às ideias partidárias, de modo que quando da escolha dos candidatos, estes se comprometam com tais ideais, trazendo a devida coerência ideológica.
E não queiram nesse momento antecipar suas campanhas, em especial agora no meio da pandemia e ainda descumprindo outras regras normativas e técnicas.
Não há como admitir que essa permissibilidade legal englobe a realização de todos e quaisquer atos, mesmo que somente se fale em pré-candidatura e na exposição de projetos, já que a propaganda eleitoral tem momento próprio no processo, sob pena de se desvirtuar todo o sistema que busca conter o abuso de poder de um modo geral.
E tanto é verdade que as emissoras de rádio e televisão, dentro desse processo de viabilização dos ideais partidários, deve conceder tratamento isonômico a todas as agremiações partidárias. Em relação às eleições majoritárias propiciar essa isonomia se faz mais fácil, entretanto, em relação às eleições proporcionais, há que se ter maior cautela, porque é cediço que não se conseguirá disponibilizar a todas as pré-candidaturas tal espaço, sendo melhor inclusive conceder a cada dirigente partidário, que deve trazer a visão uniforme a ser seguida por todos os eventuais candidatos da sigla.
Desta forma, teremos um sistema coeso e que solidifica a discussão de ideias e não as eventuais candidaturas que tenham mais dinheiro e poder como se diz, pois claramente o novel legislador quis limitar a influência desses aspectos não só no período de propaganda, mas desde o início de todo o processo eleitoral.
Ou, sinceramente, alguém acha crível que se possa permitir a eventuais candidatos um tratamento distinto e revelador de poder nessa chamada pré-campanha?