A passagem da adolescência para a idade adulta é marcada por um misto de emoções, incluindo ansiedade, medo, esperança e entusiasmo. Pensar no futuro, nessa época da vida, pode parecer assustador. Mas alguns jovens, como Ana Cecília, conseguem olhar para frente e vislumbrar aonde querem chegar.
Em uma casa na comunidade rural da Maísa, em Mossoró, interior do Rio Grande do Norte, Ana Cecília, de 16 anos, cresceu sonhando grande. Filha de uma realidade marcada por limitações estruturais e desafios educacionais, a jovem estudante do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) está prestes a cruzar fronteiras para participar de um programa de neurociência clínica na prestigiada Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Sua história, repleta de determinação, apoio familiar e paixão pela educação, é um testemunho de como o talento pode florescer mesmo nas condições mais adversas.
Uma infância de curiosidade e resiliência
Ana Cecília sempre foi uma aluna excepcional. Aos três anos, já decifrava as primeiras palavras, e sua paixão por aprender a levou a devorar livros e se apaixonar por matemática. Na Maísa, onde a infraestrutura escolar era precária e as greves frequentes dificultavam o ensino, ela transformava as adversidades em oportunidades. “Eu brincava de escolinha com meus amigos, fingindo ser professora. Sempre amei ensinar e aprender”, conta, com um sorriso que reflete a nostalgia da infância.
Seu percurso educacional começou em escolas públicas da Maísa e da comunidade vizinha, Cacimba Funda, que fica no município de Aracati, divisa com o Ceará, onde enfrentou salas lotadas, carência de professores e dificuldades de alfabetização no coletivo. Muitos estudantes no meio da vida acadêmica acabam migrando para a escola cearense, com esperanças de um ensino melhor e uma tentativa de fugir de greves que por vezes acometem as escolas do RN. Apesar disso, Ana nunca se deixou limitar. “No meio rural, as oportunidades são escassas, mas eu sabia que o estudo era o caminho para ir além”, diz.
A busca de oportunidades melhores tem um custo, e ao longo da sua vida escolar, a família de Ana Cecília precisou pagar o transporte para levar a filha até a escola na comunidade vizinha, chegando, por vezes, a comprometer a situação financeira familiar.
O divisor de águas: o encontro com o IFRN
A trajetória escolar de Ana Cecília por vezes afetou o seu emocional, como é comum acontecer com jovens. “Eu sabia que muitas pessoas estavam esperando de mim. É expectativa, então para mim eu ficava com uma pressão psicológica muito grande, mas não era nem de uma forma maldosa das outras pessoas. Eles acreditavam em mim, e isso era bom.”, recorda.
No oitavo ano, um professor de matemática, Aislan, mudou sua trajetória. Ele apresentou a Ana o IFRN, uma instituição pública de excelência que exigia um rigoroso processo seletivo. “Eu achava que era algo distante, mas ele me mostrou que eu era capaz”, lembra. Com o incentivo de professores, familiares e um cursinho preparatório gratuito, Ana enfrentou suas inseguranças e conquistou uma vaga no IFRN, ficando em quarto lugar na lista geral – um feito notável para uma estudante de escola pública.
“É um grande mérito meu, porque eu não tive as mesmas condições de pessoas que acabam na lista geral, que são pessoas de escola particular, que crescem em um ambiente diferente, que têm uma preparação diferente.”, celebra com orgulho.
No IFRN, Ana encontrou um ambiente desafiador, mas também acolhedor. Tornou-se líder de turma, presidente do Clube de Olimpíadas Científicas e acumulou seis medalhas em competições acadêmicas, incluindo bronzes na Olimpíada Brasileira de Astronomia e uma prata na Olimpíada Nacional de História do Brasil. “Cada conquista me fazia acreditar que eu podia ir mais longe”, afirma.
Um sonho internacional
O turning point na jornada de Ana veio com sua participação em simulações da ONU, eventos que simulam debates diplomáticos e desenvolvem habilidades de liderança e comunicação. “Foi ali que conheci o processo de application para universidades internacionais. Percebi que estudar fora não era tão impossível”, explica. Inspirada por colegas e por sua amiga Ana Luisa, também de Mossoró, ela começou a construir um currículo acadêmico robusto, com atividades extracurriculares que refletissem seu impacto na comunidade.
Em novembro de 2024, Ana aplicou para o Clinical Neuroscience Imersion, um programa de verão da Universidade de Stanford voltado para jovens de 13 a 18 anos. Com uma taxa de aceitação de apenas 12%, ela duvidava de suas chances. “Eu achava que não ia passar. Mandei a inscrição enfrentando meu medo”, confessa. Para sua surpresa, em abril de 2025, recebeu a notícia de que havia sido aprovada – e, após uma persistente negociação, conquistou uma bolsa integral de R$ 18 mil.
“Nunca me faltou incentivo. Essa é uma coisa que eu posso falar, que nunca me faltou incentivo tanto da parte da minha família quando dos meus professores.”, relembra.
“Eu pensava em estudar fora antes, mas justamente pelos obstáculos que eu enfrentava, eu pensava que não era uma coisa possível, que era uma realidade muito distante.”, conta. Através da simulação da ONU e conversando com outras pessoas também que iriam estudar fora, Ana percebeu que não é tão difícil assim, que há universidades que se dão bolsas de 100% justamente pelo seu histórico acadêmico, histórico escolar. Existem universidade que, por exemplo, ofertam bolsa pela necessidade financeira.



Superando barreiras financeiras
Embora a bolsa cubra o custo do programa, Ana ainda precisa arrecadar cerca de R$ 10 mil para passagens, hospedagem e alimentação. Com o apoio do IFRN, e uma rifa que mobilizou amigos, familiares e a comunidade, ela já garantiu quase 50% do valor em duas semanas. “Meus pais estão vendendo a rifa como se fosse uma missão de vida. Meu pai está mais ansioso que eu”, brinca.
Fluente em inglês, aprendido de forma autodidata desde os 8 anos, Ana está pronta para o desafio cultural e acadêmico. “Nunca saí do Brasil. O mais longe que fui foi a Paraíba. Estou ansiosa para conhecer os Estados Unidos, os professores renomados e desenvolver um projeto em neurociência”, diz, com entusiasmo.
Um legado para o futuro
Além de sua jornada pessoal, Ana é vice-presidente do Instituto Potiguando, um projeto criado com Ana Luisa para democratizar o acesso a oportunidades educacionais no Rio Grande do Norte. A iniciativa, que já conta com mais de mil seguidores no Instagram, organiza simulações da ONU, workshops e palestras em escolas públicas, buscando inspirar outros jovens a sonharem grande. “Quero mudar a realidade do meu estado. O Nordeste, especialmente o RN, é esquecido. Precisamos mostrar que temos potencial”, defende.
De 21 de julho a 1 de agosto, Ana estará em Stanford, absorvendo conhecimentos que planeja trazer de volta à Maísa. “Quero usar o que aprender para impactar minha comunidade, talvez trabalhando em projetos de saúde ou educação”, sonha. Sua história, que começou em uma pequena comunidade rural, é uma prova de que, com determinação, apoio e paixão, não há limite para onde o talento pode levar.


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