Se o tarifaço de 50% que o governo dos Estados Unidos impôs sobre o Brasil pretendia limitar um país soberano, a medida não foi suficiente. O governo estadunidense pode até taxar o milho e a soja, mas a cultura, o forró e a alegria do brasileiro são inimputáveis. Essa riqueza toda é cultural, imaterial, não tem preço e, por consequência, não dá para taxar.
A história de Wiri demonstra a paixão por suas origens e a persistência de alguém que leva identidade cultural à destinos distintos do saudoso nordeste brasileiro. Hoje, o multifacetado artista é a personificação da saudade e do pertencimento, um elo vivo entre o Nordeste e os corações de milhares de conterrâneos distantes. Seu título de “Embaixador da Cultura Nordestina nos EUA” não foi dado por uma grande instituição, mas nasceu do povo, do calor de cada evento que ele produz com as próprias mãos e com o coração.

Essa jornada começou há nove anos, quando Wiri chegou à América do Norte e, como muitos, sentiu a falta de casa. O que era um vazio se tornou uma missão. “Eu sentia muita falta da nossa cultura, do nosso forró”, conta. “Esse movimento foi crescendo e as coisas foram se tornando muito orgânicas.” Para além de simplesmente tocar músicas, Wiri passou a criar todo um ambiente, transformar o cenário e levar um pouco da cultura nordestina ao país norte-americano. Com suas próprias mãos, decorava os espaços com chita, balões e bandeirinhas, transformando salões na Califórnia em festas de São João. Era uma imersão, um pedaço do Brasil que chegava para aqueles que não podiam voltar. Essa dedicação fez com que a comunidade, de forma espontânea, lhe desse o título de embaixador.
As muitas vidas de um artista
Wiri é de Santa Cruz, no Rio Grande do Norte, cidade conhecida por abrigar o complexo religioso do Santuário de Santa Rita de Cássia. Saiu de casa aos 18 anos em busca de estudos, um caminho comum para muitos jovens. Estudou em Campina Grande, fez pós-graduação em São Paulo e trabalhou em diversas regiões do Brasil. Depois, veio a busca por novos horizontes: ele viveu na Austrália, onde se aprofundou em pesquisa, uma área em que já tinha uma carreira sólida, com doutorado em recursos florestais.
A transição para a música, no entanto, não foi um salto repentino, mas uma redescoberta. A arte sempre esteve presente. Ele canta desde os 13 anos de idade, começou na igreja. Mas foi nos EUA que a música se tornou um pilar central em sua vida, um respiro em meio a uma rotina de muito trabalho. Hoje, Wiri concilia a vida artística com sua outra paixão: a saúde holística. Ele é doutor em Acupuntura e Medicina Chinesa, uma carreira que desenvolveu após a vida de pesquisa e que, como ele mesmo diz, “paga as minhas contas junto com a música hoje”.


O forró do povo, para o povo
O coração do trabalho de Wiri é o forró, mas não qualquer forró. Ele se dedica ao forró tradicional, a música de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Marinês e Jackson do Pandeiro. “Eu decidi assim”, ele afirma. Em seus eventos, que ele produz mensalmente em San Diego, o forró é o carro-chefe. Ele monta uma banda com músicos brasileiros, leva comida típica e, com suas decorações, cria um ambiente de imersão completa.
Ele percebe uma diferença clara na forma como a música é recebida. “Eu digo que o brasileiro é feliz se tiver um ritmo, qualquer ritmo, ele está satisfeito”, diz, sorrindo. “Mas o americano é muito de apreciar a arte.” Para os estrangeiros, que muitas vezes não entendem as letras em português, o show de Wiri é uma experiência sensorial completa: as roupas, o chocalho, a coroa que ele usa em cada apresentação. “Tudo que é diferente, eles apreciam”, ele conta. Esse cuidado em levar a cultura de forma tão autêntica fez dele uma figura conhecida na comunidade, o “Rapaz do Forró”.
O desafio de crescer e o futuro
Wiri reconhece o desafio de levar o forró tradicional a um público acostumado com outras vertentes do gênero, como o forró eletrônico ou o chamado “forró de Itaúnas”. Ele trouxe um movimento novo, mais voltado para as raízes, e percebe o crescimento desse público. Além de seus próprios eventos, ele também produz e apoia outros artistas, como o sanfoneiro Fábio Carneirinho, expandindo a presença do forró autêntico para outros estados americanos.
Para o futuro, ele tem um novo desafio: aprender a tocar sanfona. “Vai ser um desafio que estou colocando para o próximo ano. Porque aí eu componho, e com a sanfona vai ser mais fácil para poder compor as músicas”, planeja. A dedicação em aprender um novo instrumento, mesmo com uma agenda tão cheia, demonstra sua vivacidade em aprofundar a arte e a conexão com a cultura que ele tanto divulga.
A história de Wiri é a prova cabal de que a saudade pode ser um motor de transformação, capaz de levar um pedacinho do Nordeste para muito longe, não só em forma de música, mas como toda uma experiência de pertencimento. A coroa que ele usa em cada show é um chapéu de couro, característico do Nordeste brasileiro, conhecido por sua aba larga e abaulada, e frequentemente adornado com detalhes metálicos como estrelas. O chapéu de cangaceiro não é um simples adereço; é o símbolo de um reino que ele construiu com amor e dedicação, um lugar onde a música e a cultura nordestina são soberanas no coração da Califórnia.
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