Os dias estão um tanto cheios. Para não deixar de entregar meus devaneios, trago um texto leve que escrevi há alguns anos, mas que se mantém atual pela reflexão que nos sugere. A ideia de tornar simples o que queremos dizer. As vezes me pergunto em qual parte do caminho perdemos a capacidade de ser simples. Por onde deixamos escapar a autenticidade dos gestos e sentimentos.
Na sala do meu apartamento há uma máquina de datilografar Olivetti. Dia desses o objeto já em desuso despertou a atenção dos meus filhos. Da mais velha, pela curiosidade acerca do ofício dos jornalistas (sobre como nós fazíamos no passado um texto datilografado se transformar num jornal impresso).
Do mais novo, pelo formato conservador que difere dos tablets e smartphones. Enquanto eu detalhava o funcionamento da velha Olivetti (onde o papel ficava, onde a fita com a tinta era encaixada), falava que as matérias eram escritas pelos repórteres naquele equipamento e que eu, quando adolescente, fizera curso de datilografia. O assunto transitava na mesa de jantar quando meu caçula, após um silêncio reflexivo, fez seu comentário sempre perspicaz: ‘painho, então isso aí é um computador sem tela que já vem com impressora’. Pronto. Estava simplificado.
Há mais de uma década meu filho do meio, começava a desenvolver o vocabulário. Como toda criança de três anos ele encontrava expressões para se fazer compreender. Lugar onde se almoça não era restaurante, era ‘almoçaria’. “Se onde come pizza é pizzaria, onde almoça é almoçaria, painho”, ponderava ele. Muito justo, inclusive. Relendo esses dias o poeta Manoel de Barros, que brincava com as palavras com maestria e falava com simplicidade das coisas, lembrei de uma frase de meu filho num dia nublado em Mossoró. Estávamos indo à escola de carro e quando começaram a cair os primeiros pingos, ele de imediato me alertou: ‘painho, ligue o esfregador de chuva’. Num primeiro instante me perguntei o que danado era um esfregador de chuva, mas observando ele com o indicador em riste de um lado para o outro, logo captei a mensagem e acionei o limpador de para-brisa. Seguimos contemplando a chuva sendo divertidamente esfregada sobre o vidro. Desde esse dia, o acessório veicular foi rebatizado com sucesso.
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