Assim como a música tem a capacidade de nos transportar para momentos sublimes da nossa vida, o aroma, os cheiros também têm esse poder. Quem nunca fechou os olhos e se desconectou do tempo/espaço ao sentir um perfume? Eu já. Várias vezes. Meus filhos estão distantes esses últimos dias. Mas é comum entrar no quarto deles e respirar fundo. Chego a ouvir a voz de cada um. Os acordes divertidos das gargalhadas. Tudo pelo cheirinho de filho que habita ali.
Mas hoje escrevo para registrar os aromas que me embalaram no começo deste 2023. No almoço do primeiro dia do ano tive o privilégio de estar na casa de meus pais com quase toda a família reunida. Nesse contexto de amor e paz tenho registros muito particulares. Afora todo o colorido de um feliz almoço em família, o que me marca são os aromas que passeiam pelo ambiente. Um deles me chama sempre atenção. A comida preparada por minha mãe.
Lá se vão 25 anos desde que saí de casa. Então esses momentos são sempre muito felizes para mim. Não deixo de visitar a cozinha de casa enquanto mamãe prepara as refeições (do café ao jantar). É um momento de reencontro comigo mesmo saborear a comida antes mesmo de sentir o gosto. Essas memórias olfativas vêm sempre acompanhadas de toda a atmosfera de felicidade e amor que ronda o alpendre de casa quando todos os irmãos se encontram. Com o passar dos anos percebo o quão mais valioso é um almoço em família. É um preço que o dinheiro definitivamente não pode pagar.
As implicâncias divertidas sobre quem é o filho preferido (eu, obviamente). O prato preparado com todo amor. Os netos disputando os doces e o coração dos avós. Os cachorros com olhares pidões esperando um pedacinho de qualquer coisa escapar para o chão. Minhas passagens por esses momentos são sempre com hora marcada para terminar, afinal 300km de distância nos separam.
Ao chegar em casa já no começo da noite, entrei de novo nessa máquina de teletransporte. Sempre que volto da Varanda Azul (apelido carinhoso do alpendre dos meus pais) trago uma bolsa térmica com porções preparadas especialmente por minha mãe. “Leve, meu filho, pra você almoçar amanhã”. Esse ‘amanhã’ dura pelo menos uma semana, devido a quantidade generosa cuidadosamente acondicionada em cada vasilha.
Ao retirar a bagagem do carro e colocar tudo sobre o balcão, abri a bolsa que acomodava as embalagens. Antes de por na geladeira levantei a pontinha da tampa e fui abraçado pelo aroma do tempero de dona Francy. Pude sentir facilmente o perfume das ervas, a envolvência do alho e cebola; doces pitadas de afeto, três colheres de orações e generosos quinhões de amor. Tive vontade de comer (naturalmente), mas preferi viajar pelos bálsamos e reservar esse deleite gastronômico para outra hora. Fiquei ali por alguns segundos invadido pela mágica fragrância desse banquete materno.
Que em 2023 sejamos embalados pelas boas memórias. Que saibamos valorizar os momentos que não têm preço. Que os melhores aromas possam assinar nossa vida.
Feliz ano novo!
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