Por Taysa Nunes.
É fácil conversar e se concentrar ao mesmo tempo numa tarefa quando se tem a prática. A mão direita de Caroline Veríssimo passa a agulha através do tecido de algodão e a esquerda segura o bastidor azul. O formato de um tigre se forma a cada ponto de linha.
Carol, como também gosta de ser chamada, tem 26 anos. É ilustradora e bordadeira formada pela Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte em Natal. Atualmente é microempreendedora individual e mora em Mossoró. O quarto onde dorme virou um ateliê para suas produções diárias. Aprendeu a bordar em 2018, por vídeos do Youtube que a guiaram nos principais passos, e de lá pra cá surgiram a prática e a experiência.
“No meio da minha faculdade eu aprendi a bordar como uma forma de me expressar artisticamente, já que não estava satisfeita com as minhas obras produzidas por métodos considerados mais tradicionais [pintura e desenho]”, explica.
O bordado é uma maneira de criar, à mão ou à máquina, inúmeras figuras ornamentais em tecidos. Para isto, são usadas ferramentas que auxiliam na construção das imagens: agulhas, linhas, tecidos e bastidores, por exemplo. Como ilustradora, normalmente Carol cria a arte digital e logo após desenha no tecido para que a figura nasça no físico. Em 2023, cinco anos serão completados desde que segurou uma agulha para fazer o primeiro bordado que serviu de presente de natal para uma amiga. “Me apeguei tanto à prática que ela serviu de tema de pesquisa para meu trabalho de conclusão de curso. Levantei questionamentos e tentei responder o porquê de fazer o bordado estar tão interligado ao feminino e o porquê de ser tão desvalorizado artisticamente”.
Carol explica que a questão sobre a mulher junto ao bordado, no passado, acabou sendo tratado como lazer por ser algo doméstico. “A pessoa conseguia trabalhar nele enquanto mantinha a casa”. Em suas pesquisas, ela diz que no interior do Rio Grande do Norte (como em Caicó) a tarefa se torna uma fonte de renda em que a mulher conquista a independência de ter o próprio dinheiro ou de conseguir sustentar a casa sem depender do esposo. “Hoje em dia, parte da minha renda vem por meio das encomendas de bordado que produzo e posto no Instagram”. Carol tem uma conta na rede social chamada @artesdecaroline na qual expõe seus trabalhos – é praticamente uma loja virtual.
No mês de setembro Carol teve a oportunidade de mediar a oficina de Bordado Livre para iniciantes no Sesc Mossoró, para uma turma de 20 alunos, voltada à valorização social de pessoas de baixa renda, na qual grande parte foi constituída por mulheres. “Foram cinco tardes incríveis que depois de ensinar sobre os materiais e as principais metodologias, sentávamos para bordar e conversar por horas seguidas. Foi uma experiência bastante gratificante na qual pude passar um conhecimento tão importante para mim e minha vida” afirma Carol.
O BORDADO COMO EMPREENDIMENTO
O Sesc RN promove ações socioeducativas voltadas para o bem-estar das famílias que vivem do comércio, mas também da população em geral. A unidade de Mossoró é uma das maiores do Estado e leva saúde, esporte, educação, assistência e cultura para muita gente. No Sesc também existem os Cursos de Valorização Social.
O vice-presidente da Fecomércio RN, Michelson Frota, explica que diante do crescimento do endividamento e da inadimplência, esses cursos são uma maneira de levar mais oportunidades de trabalho para famílias de baixa renda que recebem até três salários mínimos por mês e, muitas vezes, se encontram em situação de vulnerabilidade social. A ideia é que elas cheguem ao Sesc para estudar e saiam não apenas com um diploma, mas também com uma nova profissão; com mais uma forma de sustentar suas famílias.
O Curso de Valorização Social (CVS) é uma atividade do Programa Educação do Sesc RN e é totalmente gratuito, pois é ofertado no Programa de Comprometimento e Gratuidade (PCG), o qual é destinado preferencialmente aos trabalhadores do comércio de bens, serviços e turismo e seus dependentes; aos estudantes da Educação Básica da rede pública e ao público em geral cuja renda familiar mensal não ultrapasse o valor de três salários-mínimos nacionais. Faz quase 10 anos que o Sesc Mossoró oferta cursos por meio do CVS, porém teve uma pausa de três anos e foi retomado em 2023. Todos os anos eram ofertados uma média de três a quatro cursos com a participação de 20 alunos por turma.
A subgerente da unidade Sesc Mossoró, Christiane Varela Coimbra, informa que o curso de bordado livre foi pensado devido ao CVS focar no regionalismo que resgata a identificação local como também a memória familiar, tendo em vista ser uma técnica que geralmente é passada de geração em geração. “E, inclusive, algumas participantes relataram que já tinham tido a vivência com o bordado com a avó ou mãe. A participação no curso foi motivada justamente por esse resgate da memória familiar”, ressalta. Christiane também esclarece que o perfil dos participantes do curso de bordado livre era de pessoas que já trabalham com artesanato e desejavam aprimorar ou aprender uma nova técnica. No entanto, claramente foi perceptível que o objetivo de outras participantes foi a socialização em grupo.
Carol Veríssimo acredita que o bordado é rico em afetividade. Quando as encomendas aparecem, são voltadas para bebês, casamentos, relacionamentos, família… São produtos que “comprados numa loja não vão ter o mesmo valor. Além de ser diferente, é único por ser artesanal”, ela conta. O trabalho manual de uma pessoa independente torna a peça um potencial de venda. Quando ministrou a oficina no Sesc, notou que existiam algumas pessoas que estavam ali para ter uma atividade de lazer, para escapar da rotina ou desestressar, mas outras gostariam de começar a trabalhar com bordados para ter uma renda extra.
Para Carol, que fala do trabalho com tanta afeição, “bordar é uma forma que eu tenho de me expressar. É feminista. Não é apenas uma maneira de ganhar dinheiro, mas para que as pessoas enxerguem como objeto de valor, artístico e político também”. Com um sorriso no rosto, diz que ainda tem muito a aprender, mas o que ensinou foi como dar de presente algo muito querido para crescer na mão de outras pessoas.
Bordar é como o andar da vida. Ao formar cada ponto, entre idas e vindas, é necessário ter paciência e perseverança. Além de ser uma habilidade que nos leva de volta às tradições milenares, também faz as bordadeiras se desconectarem do mundo pelo simples passar da agulha e linha através do tecido. É uma coreografia. A herança da memória de quem veio antes e a construção de quem está por vir.
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