Por diversas vezes, somos questionados, em momentos da vida, sobre nossos anseios, desejos, metas ou objetivos. Afinal, quem nunca ouviu a pergunta: “Qual é o seu sonho?”. A diferença entre sonhar e realizar está na atitude e na determinação. Colocar os sonhos em prática é o que nos alimenta no dia a dia, em qualquer fase da vida.
No Brasil, considerado o “país do futebol”, o envolvimento com o esporte começa cedo. Desde a infância, crianças são influenciadas por tradições familiares, ídolos do momento e pelo alcance da tecnologia, que facilita a aproximação com o universo esportivo. Nos campos de terra, grama natural ou sintética, grande parte da garotada almeja o mesmo objetivo: tornar-se um jogador profissional.

No início dos anos 2000, uma dessas crianças foi José Jerônimo Fernandes. Apaixonado pelo futebol “desde o berço”, ele trocou a arquibancada pelo comando de uma startup inovadora que conecta jovens talentos do interior aos gramados do futebol profissional, transformando o que já foi frustração em oportunidade. Mas, para entender como chegou até aqui, é preciso voltar ao início de sua relação com o futebol.
DO LAÇO SANGUÍNEO À PRESIDÊNCIA DO BARAÚNAS
Natural do Sítio Estaleiro, na zona rural de Martins, município do Alto Oeste Potiguar, Jerônimo começou a se identificar com o futebol por influência do pai, Antônio Erasmo, jogador de várzea, e do tio, Dedé Praxedes, ex-vice-presidente do Baraúnas, falecido em 2017.
Na infância, Jerônimo tornou-se torcedor do “Leão do Oeste”, apelido do clube mossoroense, e realizou o sonho de ver o time campeão. “Ouvia todos os jogos do Baraúnas pelo rádio. Tornei-me fã do goleiro Isaías e daquele time vencedor”, relembrou.
Apesar da paixão com o esporte, as oportunidades não surgiram. Naquele momento, o futebol era apenas um lazer com os amigos. “Eu era um centroavante até jeitoso, tinha o sonho como muitos, mas a oportunidade de tornar esse sonho realidade sempre foi difícil interior adentro”, conta.
Com o passar dos anos, no final de 2009, em busca de crescimento pessoal e profissional, mudou-se para Mossoró. Trabalhar com o futebol ainda não estava nos planos. Enquanto Jerônimo iniciava sua trajetória na cidade, o Baraúnas enfrentava um declínio. A exceção foi em 2012, com o inédito acesso à Série C do Campeonato Brasileiro. No ano seguinte, no entanto, veio o rebaixamento para a Série D, marcando o início de uma fase conturbada, que culminou na queda da equipe no Campeonato Estadual de 2018. Foi durante o processo de reconstrução do clube que Jerônimo iniciou sua atuação profissional no futebol.
Nesse ano, após uma intervenção judicial, novas lideranças se aproximaram do Baraúnas. Jerônimo passou a vivenciar, na prática, o dia a dia do futebol. Na época, conciliava a rotina no clube com sua atuação profissional e com o curso de Administração, na Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa). Como apoiador, ganhou protagonismo interno e, em janeiro de 2020, foi eleito por aclamação presidente do Baraúnas, em chapa única formada com Bárbara Freitas.

“Quando eu trabalhava na indústria salineira, já em 2018, estava estabelecido na profissão. Mas decidi tirar um ano sabático para ajudar o Baraúnas. Fui diretor financeiro no mandato ‘tampão’ após a intervenção. Minha ideia era ficar um ano, mas permaneci por mais tempo. Em 2020, houve a eleição e formei a chapa única com Bárbara Freitas, com a qual fomos eleitos para um mandato de dois anos”, recordou.
Dois meses após a eleição, no entanto, veio a pandemia de Covid-19. As restrições e o cenário de incertezas afetaram os planos de reestruturação do clube, incluindo projetos como o fortalecimento das categorias de base. Esse foi o ponto final de sua breve passagem como dirigente, mas também o início de uma nova fase.
“O nosso objetivo ali foi resgatar o clube. A pandemia afetou nossos planos, pois pretendíamos colocar o time para jogar. Nesse período pandêmico, eu precisei me afastar do clube e Bárbara seguiu, mas eu sempre continuei apoiando o projeto”, ressaltou.

CONECTANDO TALENTOS ESQUECIDOS AOS GRAMADOS PROFISSIONAIS
Ao ingressar no curso de Administração, Jerônimo sonhava em atuar na área de marketing. No entanto, ao longo da graduação, passou a se interessar por inovação e tecnologia – áreas com grande potencial de aplicação no futebol.
“No Baraúnas, eu já pensava em ajudar as categorias de base e, a partir do curso de Administração, pude ter acesso às leis de incentivo ao esporte federal. Foi aí que passei a enxergar o futebol como um possível negócio”, destacou.
Enquanto amadurecia a ideia, começou a estudar plataformas que reuniam dados de jogadores das categorias de base. Esse foi o ponto de partida para a criação da startup: identificar uma “dor de mercado” e encontrar uma solução. O foco era mapear promessas que haviam iniciado o processo de formação, mas que, por diversos motivos, não chegaram à profissionalização.

Foi por meio de uma dessas plataformas que conheceu Bruno Henrique, zagueiro de 22 anos, de Matinhos (PR).
“Ele viu meus vídeos e falou que iria em busca de alguma coisa para mim no futebol. Após dois meses, surgiu uma oportunidade no Campo Grande, de Juazeiro do Norte-CE. Fui, joguei e assinei meu primeiro contrato profissional. Depois passei pelo Guarany de Sobral, também do Ceará. Foram oportunidades que ele me gerou, auxiliando em todas as etapas do processo. Ele me ajudou a realizar esse sonho de me tornar um atleta profissional”, destacou Bruno.


“Meu intuito inicial era entender como funcionava o trabalho de um agente. Peguei o material do jogador, incluindo o DVD, e o encaminhei para um clube cearense. O jogador foi aprovado e selecionado. Daí, percebi que era possível mapear jogadores, de qualquer região, remotamente”, complementou Jerônimo.
O INÍCIO DO “SONHO BRASILEIRO”
Com a experiência adquirida no Baraúnas e o sonho de empreender no setor, Jerônimo se inscreveu no InovAtiva, iniciativa do Governo Federal com o apoio do Sebrae que estimula o desenvolvimento de empresas inovadoras. O programa oferece capacitação, conexões e mentorias especializadas. Por conta da pandemia, as etapas do programa foram realizadas remotamente, com base na Universidade Federal de Viçosa (MG), um dos principais centros de estudo do futebol no país.
“Até então, eu não sabia o que era uma startup, e foi a partir do programa que pude amadurecer o modelo de negócio”, enfatizou.
Em 2021, após diversas mentorias, foi orientado a montar uma plataforma digital por meio do programa Ideiaz, vinculado ao InovAtiva. O projeto, denominado “Brazilian Dream”, ou “Sonho Brasileiro”, foi criado em paralelo à promulgação da Lei do Marco Legal das Startups. Jerônimo chegou a ir três vezes a São Paulo (SP) para participar dos eventos finais, chamados de Inovativa Experience.

Em 2022, já na fase de aceleração – etapa onde o produto é validado pelo mercado – a startup foi apresentada a clubes de Natal, que demonstraram interesse. O primeiro parceiro foi o Alecrim, por meio do então presidente Emerson José.
“Vi a oportunidade de filtrar melhor a quantidade de atletas que eu necessitaria testar em cada posição de forma mais controlada. Isso facilitou muito o dia a dia dos testes, pois, a partir daquele momento, eu poderia abrir testes conforme a necessidade real do clube. Assim, iniciamos o trabalho da startup usando o Alecrim FC como laboratório”, relatou.

No mesmo ano, durante participação no programa Startup Nordeste – Rio Grande do Norte, o modelo foi redirecionado – processo conhecido como “pivotar” no universo das startups – para incluir o olheiro como terceiro usuário, formando uma tríade: atleta, clube e observador.
“Inicialmente, trabalhamos o negócio ao estilo ‘Linkedin do futebol’, promovendo o match entre jogadores e clubes. No entanto, com a entrada do olheiro, a startup virou uma espécie de ‘Uber do futebol’, onde o Uber é o olheiro, o passageiro é o jogador e o destino é o clube”, explicou Jerônimo.
Casos como os do goleiro Emannuel Mourão e do meia Douglas, ambos de Martins, validaram o modelo. Em 2023, eles foram selecionados pelo observador Sharley Almeida e tiveram a primeira oportunidade de realizar um teste em um clube profissional do estado, o Alecrim.
“O melhor dessa plataforma é que você pode ter um acesso mais rápido e eficaz para a divulgação de uma jovem promessa no futebol atual. Antigamente, tinha que contar com a sorte de alguém da capital ver ou levar o jogador, com todas as dificuldades. Com a plataforma na palma da mão e a modernidade da internet, você grava um vídeo e, em poucos segundos, publica na plataforma com os dados do atleta, categoria, posição etc. Aqui na nossa região, a plataforma é uma excelente aliada para descobrirmos vários talentos que podem estourar no futebol. Perdemos muitos bons jogadores por falta de um incentivo como o que a plataforma proporciona”, afirmou Sharley.



“Fui selecionado para passar por um período de testes no Alecrim para o Campeonato Estadual Sub-17. Consegui ser aprovado e fiquei no clube por uma temporada. Em 2024, disputei o Estadual de base pelo Centenário de Parelhas, novamente graças à plataforma. Atualmente, alguns clubes já estão surgindo para a categoria Sub-20, e logo terei um novo destino.”

“A plataforma me deu todo o apoio, principalmente quando estive em Natal. Além do futebol, o incentivo à educação, para que eu permanecesse nos estudos, foi algo muito marcante”, concluiu Mourão.
Segundo Jerônimo, o processo realizado com os garotos no Alecrim validou o objetivo da Brazilian Dream, que é conectar os talentos do interior com as principais instituições do futebol.
“O nosso intuito era mapear atletas que estivessem longe dos clubes. Fizemos um levantamento e obtivemos o dado de que mais de 70% dos municípios não têm clubes de futebol profissional. Como esses meninos poderiam fazer uma peneira? A taxa de quem sonha e consegue é de 1%. O nosso foco é nos 99%”, ressaltou.

GERAÇÃO DE OPORTUNIDADES PROFISSIONAIS E SOCIAIS NO ESPORTE
A validação da inclusão do olheiro foi uma das inovações aprovadas na terceira fase do programa Startup NE. Além do redirecionamento, o projeto passou a oferecer conteúdo esportivo e social, como mentorias nas áreas de preparação física, treinamento de futebol, educação financeira e iniciação à tecnologia.
“Hoje, a gente foca muito no impacto social positivo. Falamos muito sobre futebol, que é a isca para atrair os jovens. Mas agregamos à plataforma as mentorias esportivas – para preparadores físicos e técnicos – e as sociais. Nós não somos agentes. Queremos causar impacto com conteúdo de educação financeira, empreendedorismo, iniciação à tecnologia, por meio de videoaulas na plataforma. Se não virar jogador, que ele tenha incentivo para seguir por outras áreas”, ressaltou.

Além do Startup NE, a startup “Brazilian Dream” também participou do programa Capital Empreendedor e Centelha II, com apoio do Sebrae RN.
“Nós temos diversas iniciativas de apoio e fomento ao empreendedorismo inovador, que vão desde programas de aceleração – como o InovAtiva, do qual somos fortes parceiros – e o Capital Empreendedor, que prepara startups em fase de crescimento e escala para conversarem com os maiores investidores do Brasil – até editais de fomento com recursos de subvenção e bolsas sócio empreendedoras – como os programas Startup Nordeste, Centelha e Tecnova. Esses editais são executados pelo Sebrae RN, com recursos da FINEP, FAPERN e Sebrae Nacional”, destacou Isabela Cavalcante, diretora de Inovação do Sebrae RN.

Atualmente, a plataforma Sonho Brasileiro possui 400 jogadores cadastrados gratuitamente, com a expectativa de ampliação da operação, sempre com foco na interiorização.
“Agora, estamos em um outro nível de maturidade, e ganhamos uma bolsa de sócio empreendedor, por meio da FAPERN. Estamos em uma fase de aceleração até dezembro, com recursos para dar mais fôlego e conseguirmos tracionar. Hoje, temos grandes conquistas, mesmo que ainda não tenhamos alcançado o ponto de equilíbrio financeiro.”
Recentemente, Jerônimo teve sua aprovação confirmada para o Microsoft Founders Hub, programa que reúne fundadores de destaque e oferece diversos benefícios para o desenvolvimento tecnológico, como créditos para armazenamento de dados em cloud, popularmente conhecido como nuvem. A startup também foi aprovada no programa CITZ TECH, uma iniciativa da Câmara dos Deputados voltada para soluções que se conectem com o setor público.
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL A FAVOR DO FUTEBOL
O empreendedor também deverá colocar em prática, em breve, o incremento da Inteligência Artificial, por meio de um edital da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (EMBRAPII).
“Fomos chamados para desenvolver IA no IFCE-Fortaleza. O intuito é aplicar visão computacional. Não pretendemos mudar a estrutura do futebol, mas queremos que o olheiro possa aplicar os critérios à IA, que fará a análise das valências de cada jogador”, enfatizou.

Na fase atual da startup, Jerônimo, como CEO, tem contado com uma equipe que tem feito a diferença para o projeto: Emerson José, de Natal/RN, atua como CMO (diretor de marketing); Natanael Silva, de Xanxerê/SC, como Programador; Marcos Rayol, de Niterói/RJ, como investidor-anjo e conselheiro de tecnologia; e a aceleradora Aduela Ventures, de São Luís/MA, é responsável pela gestão de publicidade e parcerias.
“Trata-se da aplicação das metodologias ágeis e do trabalho remoto em diferentes regiões do Brasil para desenvolver inovação esportiva com sede na capital do Semiárido”, pontuou Jerônimo.
“Jerônimo me fez o convite para retomar a nossa parceria, contribuindo com minha experiência na área de marketing. Fazer esse sonho acontecer foi o que motivou Jerônimo a dar os primeiros passos e continuar batalhando por essa realização em meio a todas as dificuldades que encontramos nesse caminho. Igualmente, foi o que me fez aceitar o convite e hoje fazer parte da equipe que pensa esse projeto para vê-lo sendo conquistado por milhares de brasileiros”, acrescentou Emerson José.

Com novos caminhos e sonhos a serem realizados por milhares de garotos no futebol, Jerônimo espera também concretizar um desejo pessoal, justamente onde tudo começou.
“O sonho de todo empreendedor é ajudar o seu clube do coração. Quem sabe, um dia, eu possa patrocinar o Baraúnas e estampar o legado dessa iniciativa no uniforme do clube. Afinal, para quem sonha, tudo é possível”, concluiu.

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