O futebol potiguar vivia grande momento. Dois times do estado estavam na briga para subir à elite do futebol brasileiro. Natal recebia investimentos em infraestrutura para receber torcedores de todo o mundo para quatro jogos da Copa do Mundo do Brasil – o maior deles uma arena moderna. O momento era tão favorável que o ainda acanhado futebol do RN encheu os olhos de um grande investidor inglês. Ele queria despejar dinheiro internacional num dos clubes mais vitoriosos do Estado, mas que desde 1986 não tinha título relevante, o Alecrim Futebol Clube.
Numa reunião realizada na noite do dia 24 de outubro de 2012, os conselheiros alecrinenses elegeram por aclamação o empresário inglês, Anthony Jon Domingo Armstrong-Emery, presidente do clube. Ele estaria à frente do clube em 2013, e um ano depois foi reeleito para o cargo para o biênio 2014/2015. O ‘presente de natal’ foi destaque em todo a imprensa e recebido com entusiasmo até mesmo na Federação Norteriograndense de Futebol (FNF).
Na noite em que assumiu o cargo de presidente usou frases de efeito: “Estamos negociando. Só depende de mim, e não tenha dúvida que vou agir como empresário e não como presidente”. O novo mandatário estava prestes a arrendar um estádio na região metropolitana de Natal, então comentou: “Se for preciso, não vai me custar muito mandar dois ‘times’ de pedreiros lá para ampliar a capacidade [do estádio]”.
No final da entrevista, Anthony Amstrong soltou mais uma frase para tranqüilizar a imprensa e os dirigentes presentes: “Como agora somos um time sério, não podemos ter incertezas. Quero uma casa para o Alecrim jogar pelos próximos 10 anos”. Todo o discurso girava em torno da independência que o dinheiro do investidor dava ao clube.
O time chamado de esmeraldino teve seu último ano de glória em 1986. Foi campeão estadual naquele ano, e recebeu a vaga para representar o estado na serie A. A campanha no Brasileiro não foi boa – ficou em último no grupo D com cinco pontos – venceu apenas uma contra o Santa Cruz de Pernambuco. Desde então foi perdendo relevância. Mas entre os ilustres torcedores se destaca o ex-presidente da República Café Filho, que além de um dos fundadores – chegou a atuar como goleiro do time.
A queda foi meteórica, em uma década deixou de brigar por títulos e passou a brigar contra o rebaixamento. Não tinha centro de treinamento, não conseguia investir na base e viu a torcida e dirigentes desaparecerem. Caminho aberto para o até então benevolente empresário inglês.
Um Novo Alecrim
Anthony Armstrong então cumpriu as primeiras promessas. Investiu pesado em contratações durante o Campeonato Potiguar de 2013. O Verdão passou a ter um estádio, o Ninho do Periquito – nome dado por causa do mascote do time. O estádio foi arrendado pelo presidente. O time chamava atenção pela presença de jogadores fora da realidade do Alecrim: o volante Ruy Cabeção, ex-Fluminense e Botafogo, o goleiro Danilo da seleção de Guiné Equatorial, e o meia Stefano Seedorf, primo quase desconhecido do craque holandês Clarence Seedorf. Em campo o time foi bem na primeira fase, mas acabou em penúltimo na segunda fase do torneio.
Em 2014, no segundo ano da administração Anthony, o time foi bem melhor. Bateu de frente com os grandes e acabou a competição em terceiro, classificado para a Copa do Brasil do ano seguinte. Mas este campeonato foi um divisor de águas para o presidente do clube.
Foi um ano de críticas constantes à imprensa, temperamento explosivo nas entrevistas, e isolamento até dos conselheiros do clube. Em determinado momento decidiu não falar mais com a imprensa esportiva do Estado, e até os jogadores receberam camisas do clube para defender o lado do dirigente.
No mesmo ano, uma bandeira curiosa começou a aparecer em todos os jogos do Alecrim. Uma charge do presidente Anthony Armstrong sorridente com os dizeres: “The Godfather”. O termo e a grafia faziam alusão à série de filmes do ‘Poderoso Chefão’. A trilogia é sobre uma família de mafiosos e suas complicadas personalidades.
Outros investimentos no futebol
Ainda em 2013, Armstrong se tornou dono de outro time: o Monza, que disputava a quarta divisão da Itália – uma parte das ações da equipe pertencia ao holandês Clarence Seedorf. Na internet é fácil achar várias fotos de Anthony com a camisa do Monza, e nas arquibancadas prestigiando o time da quarta divisão.
Logo na chegada ao comando do Monza, uma nova referência midiática aos Estados Unidos. Uma campanha publicitária foi pensada para o clube. A ideia de Armstrong era tornar o Monza “cool”. A inspiração foi na campanha “I want you”.
Em entrevista sobre os objetivos do clube ele revelou: “Não vou deixar a vaidade atrapalhar o que estamos tentando fazer aqui. Não preciso alimentar meu ego. Já é grande o suficiente!”. E decretou ao final: “Não sou um presidente normal”
O time não foi bem durante a administração que tinha a participação de Armstrong, que durou até 2015. Mas o Monza foi comprado em 2018 pelo empresário e ex-primeiro-ministro da Itália Silvio Berlusconi.
A mudança deu certo, o time jogará a temporada 2022-2023 na primeira divisão do Campeonato Italiano. Quando assumiu o time, Berlusconi encontrou o time na terceira divisão.
O empresário além do futebol
Os negócios de Anthony, não se resumiam ao Alecrim. O dinheiro injetado no clube, em teoria, vinha dos ótimos resultados financeiros de outros negócios. E parte dos investimentos vinha de ingleses, a quem ele se apresentava como: Anthony Armstrong-Emery. Dono de uma empresa do setor de construção civil com negócios no Brasil.
Pessoas no mundo todo, mas principalmente Inglaterra e Singapura, eram convencidas a investir na EcoHouseGroup por causa da proposta de 20% de retorno após um ano. Eles financiavam a compra de terrenos e a construção de casas populares de um programa federal: Minha Casa, Minha Vida.
Quem é Anthony Armstrong
Numa entrevista concedida ainda em 2012 para um blog do curso de jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o inglês contou sua história de vida. Disse ter tido uma infância normal, e que sempre estudou nos melhores e tradicionais colégios privados de Londres. “Habituado a viajar desde pequeno, o empresário aprendeu a falar várias línguas e começou seus projetos de empreendedorismo desde cedo. O início da sua “paixão” pelo Brasil se deu por intermédio de seu avô, diretor da empresa que controlava as telecomunicações no país”.
Antony é graduado em Direito pela Universidade de Nottingham (Inglaterra), e mestre em Fiscalização Tributária pela Universidade de Salamanca (Espanha). A reportagem diz que “durante alguns anos de experiências e projetos em Londres, o empresário inglês descobriu o potencial que o Nordeste carregava e decidiu investir em Natal, cidade da sua esposa, Elilde Armstrong”.
O negócio imobiliário até 2014 era um sucesso, o investidor tinha uma empresa de construção que recebia dinheiro do exterior, dois clubes de futebol e passeava de Ferrari vermelha quando visitava o clube italiano do qual era presidente.
O site da EcoHouseGroup ainda está no ar, e define assim a empresa: o EcoHouseGroup está desenvolvendo negócios de sucesso em habitação social e escritórios com serviços, bem como em primeiras residências. Em suas empresas globais, a EcoHouse emprega mais de 1.000 pessoas em oito países e as receitas de 2013 devem chegar a £ 250 milhões (US$ 400 milhões).
Ódio e ruína
Ao importante jornal Financial Times, o investidor inglês tentou resumir porquê algumas pessoas não gostavam dele no Brasil: “Em Natal, impera a mentalidade do funcionalismo. As pessoas estão satisfeitas com o ‘status quo’ e pensam apenas em encher seus próprios bolsos. A corrupção e o ciúme são abundantes, nada é feito. Então você pode imaginar como é para mim, um estrangeiro, lutar contra essa mentalidade de pequena aldeia. Eles me vêem crescendo e crescendo, uma força imparável. Eles se sentem ofuscados, e muitas pessoas me odeiam”.
Mas o jogo virou mesmo em outubro de 2014. A Polícia Federal e a Receita Federal deflagraram a Operação Godfather, que investigou crimes financeiros no setor imobiliário, como sonegação fiscal, gestão fraudulenta, formação de quadrilha, e lavagem ou ocultação de bens, direitos ou valores. A principal investigada? A EcoHouse com sede em Londres. A empresa teria usado um funcionário da Caixa Econômica Federal para aplicar golpes no exterior. Pela denúncia a empresa nunca fez parte do programa Minha Casa, Minha Vida.
De acordo com a Polícia Federal, as investigações duraram oito meses e foram cumpridos nove mandados de busca e apreensão em residências de investigados e em empresas supostamente ligadas à organização criminosa. A PF divulgou que a organização movimentou cerca de 150 milhões de reais nos últimos cinco anos, “tendo parte deste montante transitado por empresas sediadas em paraísos fiscais e por contas de instituições e de pessoas físicas consideradas ‘doleiras’”.
O ex-presidente do Alecrim e mais sete pessoas foram denunciadas por envolvimento no esquema de lavagem de dinheiro. Entre eles está um funcionário da Caixa Econômica que fornecia documentos falsos para dar a impressão que a empresa fazia parte do programa de habitação popular do Governo Federal.
Mas apenas em março de 2020 foi determinada a prisão preventiva de Armstrong que permaneceu foragido e foi incluído na lista de procurados internacional. E foi justamente a INTERPOL que conseguiu em outubro de 2020 prender o inglês nos Emirados Árabes.
Esperando o apito do juiz
O Ministério Público Federal pediu a extradição do inglês para cumprimento de pena no Brasil. O juiz da14ª Vara Federal, Francisco Eduardo Guimarães Farias, autorizou a adoção das providências necessárias para extradição junto ao Ministério da Justiça.
Hoje, Anthony Jon Domingo Armstrong-Emery vive em liberdade em Abu Dhabi. Houve pedido de prisão, mas o juiz decidiu analisar na sentença.Ele não está preso, nem usa tornozeleira eletrônica, Anthony comparece mensalmente a uma audiência com a justiça. Agora o processo está pronto para sentença do magistrado. Ele pode determinar a extradição de Anthony Armstrong.
Alem da Justiça Federal, o inglês vai ter problemas com a justiça estadual. É do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte a maior parte dos mais de 160 processos contra o britânico na justiça brasileira.
O Ministério Público Federal afirma que o esquema prejudicou até 1.500 investidores de Singapura e aproximadamente 350 do Reino Unido. No Reino Unido, Armstrong foi condenado em março de 2019 pela Suprema Corte Britânica, o prejuízo estimado no processo (em relação aos 350 investidores locais) foi de aproximadamente R$ 120 milhões. Por lá, cada interessado investia 23 mil libras esterlinas, enquanto em Singapura cada cota era vendida por 46 mil dólares de Singapura.
Anthony Jon Domingo Armstrong-Emery de 44 anos não compareceu ao próprio julgamento na corte de justiça inglesa em março de 2019. O secretário-chefe proferiu uma sentença a revelia. E desde abril de 2019, ele está proibido por 14 anos de se envolver direta ou indiretamente na promoção, formação ou gestão de uma empresa.
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