por Alexandre Fonseca, com produção de Rállyson Nunes
A discussão em torno dos potenciais científicos de pesquisas diversas, está vigente no mundo tecnológico aliada as inúmeras críticas/dúvidas, relacionadas a aplicabilidade efetiva de seus resultados. Vez ou outra, a sociedade questiona pesquisadores ou desmerecem respostas que nascem com o uso da ciência.
A dicotomia da pesquisa com a sociedade é antiga, Pierre Bourdieu já mencionava em 1997, ao publicar o livro “Os usos sociais da Ciência”, que o campo científico está inserido em um mundo social que costuma fazer imposições, solicitações, mas, que em sua visão, deve funcionar independente das pressões externas. Ou seja, a ciência precisa do seu espaço privado, pra operar e assim, mudar a vida daqueles que se beneficiarão dela. É uma de suas maiores premissas.
Início o texto com tal reflexão, por um motivo. Vamos tratar de um projeto científico idealizado por alunas de uma escola estadual de Apodi, município localizado a cerca de 340 quilômetros de distância da capital do Rio Grande do Norte, Natal. Um projeto que dispensa qualquer pressão externa, questionamentos… Que merece mesmo visibilidade e recursos para ser aprimorado.
A nossa equipe encontrou duas estudantes da Escola Estadual em Tempo Integral Professora Maria Zenilda Gama Tôrres, na edição 2023 da Feira de Ciências do Oeste Potiguar, promovida pela 13ª Diretoria Regional de Educação e Cultura, no final de agosto. Na ocasião, Cibelly Cristina e Isabelly Cristina apresentaram um trabalho sustentável. As alunas desenvolveram um dessalinizador, uma máquina capaz de retirar sais e outros componentes da água salobra, inadequada para o consumo humano, deixando-a boa o suficiente para matar a sede de quem precisa ou até mesmo, ser usada na irrigação de plantas.
“Aqui na nossa região, existem muitos lugares sem acesso à água própria para o consumo humano e a gente queria resolver esse problema. Então, o nosso projeto vai ajudar a dessalinizar e higienizar a água salobra. Fizemos pesquisas no Assentamento Caiçara, pegamos uma amostra, realizamos o experimento. A água estava muito salobra e após passar pela nossa máquina, ficou doce e boa para o consumo”, explica Cibelly.
A ideia de elaborar um dessalinizador surgiu a partir de aulas que discutem problemas sociais. As meninas assistiram ao filme “O menino que descobriu o vento”, de 2019, dirigido pelo ator britânico Chiwetel Ejiofor. O longa-metragem conta a história de um rapaz que cansou de ver colegas do vilarejo onde morava, passando por dificuldades e decidiu construir uma inovadora turbina de vento. As estudantes se sentiram inspiradas, foram tocadas pela mensagem da obra e começaram a gerar o desejo de contribuir em algo, na localidade em que residem.
Todos os materiais utilizados na construção do projeto científico, são reciclados. “Utilizamos muita sucata, coisas em desuso, algumas peças estavam no lixão. Usamos régua de pedreiro, calhas, mangueira de máquina de lavar roupa e outros materiais de baixo custo”, explica Isabelly. A máquina funciona de acordo com os seguintes processos: captação da água, que passa pelos canos de pré-tratamento, em seguida, a água retorna para dentro da máquina, a bomba de circulação gera um segundo pré-tratamento, fazendo com que a água salobra seja filtrada quimicamente. A água ainda passa por evaporação, luz UV, até ficar em condição ideal para o consumo. E como se não bastasse, o dessalinizador possui um sistema de resfriamento, em outras palavras, dá pra tomar a água geladinha, após a filtração e dessalinização.
Voltando para a Feira de Ciências do Oeste Potiguar
O projeto científico de Cibelly e Isabelly, de tão bem elaborado, recebeu credencial imediata, sem precisar passar pelos avaliadores da 13ª DIREC. Dennis Deniam, chefe de equipe da Feira de Exposição Regional Acadêmica (FERA) de Caraúbas, aprovou o dessalinizador, credenciando o trabalho para ser apresentado no município caraubense.
“O dessalinizador propõe vários mecanismos, elétricos, de refrigeração, que alunos do ensino médio não fariam com frequência. Elas possuem um domínio muito bom e a gente da FERA, premiou o projeto, independente de qualquer outro resultado, reconhecendo a qualidade do trabalho, que é impressionante”, elogiou Dennis.
“Tudo começou na Feira de Ciências da escola, que passamos em 2º lugar e fomos para a Feira Estadual. A gente não esperava pela aprovação para a Feira de Caraúbas. O que temos aqui é apenas um protótipo, talvez a gente consiga patentear ele. Queremos melhorar o projeto com essa credencial da FERA”, almeja Isabelly.
O professor Júlio Ulisses, que acompanhou o desenvolvimento do trabalho realizado por Cibelly e Isabelly, se diz orgulhoso pelo reconhecimento atribuído as estudantes. “Ver alunas tão jovens, entre 15 e 16 anos, se interessando pela ciência, é muito gratificante pra nós professores, que fazemos educação”, pontua.
O próximo estágio agora é instalar o dessalinizador na Zona Rural de Apodi. “Vamos para a terceira etapa do projeto, que é implementar a nossa máquina dentro de uma casa. A gente pretende deixar a máquina de forma automática, o máximo que os moradores vão fazer, é girar a torneira e consumir a água”, revela Cibelly.
Com a implantação do dessalinizador na casa de quem precisa de água boa para viver, o projeto se consolida. Sai do nível potencial e vai para o nível concretizador. Prova que a ciência é necessária e grandiosa para o mundo social que tanto a contesta. As alunas ultrapassaram quaisquer expectativas direcionadas a estudantes de ensino médio e agora, vão transformar a vida de gente simples, com um trabalho digno de muitas outras premiações.
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