A comunicação é fundamental para nossa vivência, permite a interação entre pessoas, a transmissão de informações e a construção de relacionamentos. Apesar de estar no espectro autista (TEA) nível 3, o jovem João Paulo se comunica muito bem, e para além das palavras, é por meio de desenhos que ele compartilha com o mundo seu modo de ver a vida.
Aos quatro anos de idade, João Paulo, que agora tem 26, foi diagnosticado com epilepsia, e só após os sete anos foi que os professores identificaram a dificuldade dele em acompanhar os demais colegas. A partir disso, teve início uma saga na vida da mãe, Sandra Lucena, e do pai de João Paulo, Francisco de Assis. Eles procuraram psicólogos, o filho passou por alguns testes e finalmente descobriram uma deficiência intelectual. Até então, era assim que o quadro era interpretado pelos médicos.
O diagnóstico de TEA de João Paulo foi tardio, aconteceu há apenas dois anos. Hoje, com as terapias adequadas, o jovem conseguiu superar suas necessidades educacionais especiais e atualmente se comunica bem, e além do desenvolvimento pessoal, conseguiu construir confiança.
Por meio de desenhos abstratos, o jovem começou a expressar seus sentimentos e compartilhar experiências. “Soneca: O Menino Dorminhoco” foi lançado oficialmente no dia 26 de abril de 2025, na cidade de Serra do Mel, onde João Paulo reside. O livro é uma obra que une realidade e imaginação em uma história envolvente de fantasia e superação, e conta com recursos da Lei Aldir Blanc. O nome transmite a visão do próprio João Paulo, pois segundo ele, “dormir é muito bom, porque quando acordo estou mais tranquilo e vem um dia novo e divertido”.

Pioneiro, João Paulo foi a primeira pessoa no espectro autista a lançar um livro em sua cidade. Sandra conta que João Paulo, ao ver sua obra sendo divulgada, demonstrou sensibilidade e percebeu o quanto as pessoas o amam. O jovem comemora a presença de familiares, professores e cidadãos de Serra do Mel que compareceram ao lançamento do livro “Soneca: O Menino Dorminhoco”. “Eu gostei muito que eles foram”, comemora.
“Animador”, foi a palavra que ele usou para descrever o dia do lançamento. “Me senti bem, confortável, foi tudo no ‘joinha’”, brinca.


João Paulo sempre se expressou através da arte. A partir dos desenhos abstratos, a professora Ranielly Pereira e o coautor do livro, Gerson Luis, ajudaram a ressignificar esses desenhos. As imagens criadas pelo jovem expressam o convívio com os amigos, a família e acontecimentos da vida de João Paulo. Gerson, em diálogo com João Paulo, conseguiu interpretar e transformar em alguns textos que ajudam a compor o livro. Uma das ilustrações que compõe o livro, ele chama de “A general dos sonhos”, que representa sua própria irmã. Ao ser perguntado sobre um desenho em específico e o seu significado, ele aponta para a mãe Sandra e diz: “Você, representa você!”.
A ideia do livro surgiu ainda em 2024, incentivado pela professora Ranielly, como forma de motivação para o desenvolvimento pedagógico. Embora não saiba ler ou escrever por conta dos desafios na comunicação e na linguagem, que são características deste nível de autismo, o jovem está concluindo o Ensino Médio na Escola Estadual Padre José Anchieta. Lá, João Paulo foi acolhido e é querido por todos, desde o porteiro até as merendeiras. Sandra conta que nessa escola João Paulo nunca sofreu nenhum tipo de discriminação. Diante disso, ela passou a se sentir muito mais segura em deixar o filho indo sozinho para a escola.
Atualmente, aos 62 anos, Sandra faz parte da diretoria da Associação das Famílias Atípicas de Serra do Mel (Afasmel). Junto com outras mães atípicas, elas deram início à associação em busca de inclusão e oportunidades para os filhos. “Eu acredito que a inclusão, as pessoas devem ser inseridas dentro do meio da sociedade, nos ambientes, onde quer que seja, respeitando as suas limitações.” Ela cita o exemplo da visita de João Paulo ao cinema, onde melhoraram o som e baixaram a luminosidade para que pessoas com autismo pudessem assistir sem entrar em crise. Ela cita também a possibilidade de diminuir as luzes em festas e em aniversários.
Pelas diferenças no sistema de recompensa, ligado diretamente ao funcionamento do cérebro, pessoas com transtorno do espectro autista tendem a ter hiperfocos. No caso de João Paulo, seu fascínio também está relacionado à desenhos. Sandra conta que o grande hiperfoco de João Paulo é a TV Globinho. “Ele é louco pela TV Globinho, a TV Globinho saiu do ar e ele quer lutar para que ela volte. Então é o hiperfoco dele. Às vezes ele quer falar sobre isso, e se for cortado, ele se irrita e se estressa, como se isso gerasse uma exclusão na realidade dele.”
Com o lançamento do livro, Sandra acredita que esse é mais um passo no desenvolvimento da criatividade do filho. “Esse projeto veio abrir mais portas para a inclusão. Me fez perceber que, como mãe, eu posso buscar mais benfeitorias para ele e pessoas como ele”.
Ao longo da conversa, Sandra demonstrou o tamanho do seu apoio incondicional ao filho, seja no lançamento de um projeto cultural, nas aulas, terapias ou nos estudos. “Pra eu falar de João Paulo é complicado, ele é um presente de Deus nas nossas vidas.”, conta emocionada a mãe. Para além dos estigmas capacitistas a serem diariamente enfrentados em sociedade, a mãe buscar inserir o filho em todos os espaços, afim de mostrar que não há limites para sonhos, arte, criatividade e amor.
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