Fazer um filme demanda um amplo leque de conhecimentos, abrangendo desde a criação da história até a sua distribuição. As áreas essenciais incluem roteiro, direção, produção, fotografia, direção de arte, sonoplastia, montagem e pós-produção. Além disso, é fundamental entender sobre linguagens cinematográficas, técnicas de filmagem, edição e marketing para garantir que o filme alcance seu público. A produção de um filme no interior apresenta ainda desafios únicos em comparação com grandes centros urbanos, isso inclui dificuldades que vão desde a captação de recursos, logística de produção, acesso a equipamentos e infraestrutura, até questões relacionadas à distribuição e exibição do filme em si.
Produções independentes frequentemente enfrentam dificuldades para encontrar financiamento, dependendo de editais, incentivos fiscais e crowdfunding, diferentemente de grandes produções com orçamentos robustos. A Lei Paulo Gustavo, por sua vez, tem dado a viabilização necessária para produções, inclusive de produtores do interior, como em Mossoró.
Grandes pensadores, artistas e escritores buscam inspiração em diversas fontes, muitas vezes óbvias, como a natureza. A observação do mundo ao seu redor, a interação com outras pessoas e a reflexão sobre suas próprias experiências e conhecimentos funcionam como estímulo para a criação. E para Luiza Gurgel, jovem roteirista e diretora do curta-metragem “A árvore”, o noticiário impulsionou a abrir a mente para enxergar a hipocrisia humana no cotidiano. “O gatilho final, que deu o pontapé que faltava para me fazer tirar a ideia do papel, foi uma notícia que vi há alguns anos de uma árvore centenária sendo derrubada num bairro de São Paulo/SP.”, conta.
A notícia circulou em jornais de abrangência nacional e também gerou discussões nas redes sociais. Ao ver conhecidos debatendo o assunto, Luiza continuou a desenvolver reflexões com pessoas próximas. “Aquilo ficou na minha mente por dias e foi sendo alimentado por leituras, conversas, trocas com amigos e amigas sobre a hipocrisia do ser homem (humano), que fala sobre sustentabilidade, por exemplo, mas desmata; ou sobre fidelidade, mas abusa da mulher; ou sobre alimentação saudável, mas apoia o agronegócio. Enfim, sobre a hipocrisia mesmo.”, relata.
Foi assim que surgiu a ideia do curta: a partir da percepção de que a capacidade de conectar ideias aparentemente não relacionadas, a busca por padrões e a exploração de diferentes áreas do conhecimento também são características comuns nesses indivíduos (homens). Exemplos como esse demonstram que a criatividade e a capacidade de gerar ideias inovadoras não estão limitadas aos centros urbanos. O interior pode oferecer ambientes inspiradores, contextos culturais únicos e novas perspectivas que podem impulsionar a produção audiovisual.



“A mensagem que eu pretendo transmitir com ‘A Árvore’ é que, sim, todos e todas somos hipócritas. E, não, a ideia não é nos acomodarmos sobre isso, mas percebermos onde e como podemos nos tornar pessoas melhores.”, reflete Luiza. Ela não consegue conter a ansiedade de saber como será a recepção do público à reflexão do produto audiovisual. “Estou ansiosa para saber quais serão as interpretações possíveis de quem vai assistir ao filme pela primeira vez.”
Evelyn Freitas, diretora de fotografia do curta-metragem foi a responsável por pensar junto com Luiza como mostrar visualmente o ponto de vista de uma árvore na imagem. “A gente considerou o uso de algumas técnicas de filtro, de lente, mais grande-angular, que distorcem essa imagem para diferenciar essa visão de uma visão normal. E aí, a gente decidiu fazer isso na pós-produção, para poder ter mais possibilidades de escolha.”, conta. Apesar das dificuldades, a tecnologia e a facilidade de acesso à informação também contribuem para que produtores possam criar e distribuir conteúdo de qualidade.
Diante dos percalços, os produtores audiovisuais não tem outra alternativa a não ser transformar limitações em oportunidades. “Entre os desafios, não tem como não falar da falta de valorização da arte em nosso Estado e município. Embora Mossoró e o Rio Grande do Norte sejam reconhecidos nacionalmente pela sua arte pulsante e latente, viver de cultura ainda é muito distante e, às vezes, uma realidade até utópica, justamente devido à falta de incentivo e entendimento de que ela também é instrumento de movimentação financeira numa localidade.”, lamenta.
A cultura atua como um motor de desenvolvimento e geração de empregos. Atividades culturais, como o turismo, festivais, eventos ou até mesmo o cinema, movimentam dinheiro e atraem investimentos, além de contribuírem para a preservação da identidade regional e nacional. “Do outro lado desse cabo de guerra, tem muita gente que vê (ou insiste em ver como estratégia para manutenção de poder) a cultura como reprodutora de lazer, e é bem mais do que isso.”, reflete.
Diante da desvalorização da cultura, o desafio se torna mostrar para a população que um filme de 15 minutos de duração, que tem uma árvore como protagonista, sendo exibido numa sala de cinema ou mesmo no meio da rua, é capaz de empregar quase 40 pessoas e movimentar a rede alimentícia, de transportes, comércio e vestuário de uma cidade.



“Fazer arte onde se vive é sempre mais gostoso, né? Ainda mais tendo uma condição mínima para isso. Acho que é meio que por aí. Aqui, em Mossoró, eu tenho minhas amigas e amigos por perto; eu sei encontrar possíveis locações mais fáceis; eu sei um caminho mais familiar para resolver algum problema de produção.”, discorre Luiza. A falta de estrutura combinada à familiaridade com as locações do filme, contribuem para transformar as barreiras em ponte. Para isso, foram utilizados cenários marcantes de Mossoró, como a Praça do Rotary. “Desde o início, já era pensada como possível locação. Principalmente pelo fato de estar localizada num bairro de classe média, tido como “nobre” em Mossoró. É possível que ali ao redor da Praça more alguém mais preconceituoso ou intolerante”, explica Luiza. “O capitalismo como manutenção de poder está totalmente atrelado à hipocrisia”.
“Eu acredito que foi um desafio técnico para todos os departamentos filmar uma praça, porque a gente não fechou a praça para gravar, né? A gente rodou como acontece no cotidiano daquela praça, então tem muita coisa acontecendo. E a gente tinha que gerir tudo isso, né? Muita gente passando no meio da gravação, né? Pular e som, música no meio da rua, que o pessoal colocava.”, explica Evelyn sobre os desafios técnico de se gravar em espaços públicos. “Mas a gente também tentou usar disso a favor do filme, né? Porque, como eu falei, a gente procurou essa naturalidade de mostrar mesmo a praça em movimento, no cotidiano daquele lugar.”
Sara Xavier é atriz e interpretará uma personagem que denota bem a hipocrisia social: “Quando eu soube da história do filme, achei muito instigante toda essa proposta. A gente não tem esse costume de pensar em como a vida acontece fora dos nossos problemas e das nossas questões humanas. Então achei muito curioso e interessante poder pensar nisso. Tentei me preparar para o papel pensando em agir exatamente nesse lugar, afinal, a minha personagem é literalmente uma pessoa que não está pensando na vida para além dela mesma.”, conta.
Uma equipe majoritariamente feminina em uma produção cinematográfica também é capaz de trazer perspectivas únicas, bem como maior diversidade de histórias e personagens, e um ambiente de trabalho mais inclusivo, com potencial para romper com estereótipos de gênero e promover narrativas mais autênticas. “Impacta de todas as formas possíveis, sobretudo, no respeito e na compreensão de que, nós, podemos ocupar funções de liderança, sim. Não é de hoje que venho amadurecendo a ideia de manter (ou pelo menos tentar ao máximo) as mulheres ocupando papéis centrais nos meus sets e nas minhas produções de uma forma geral.”, explica a diretora.



Equipes com mais mulheres tendem a trazer narrativas mais diversas e complexas, com personagens femininas mais bem desenvolvidas e histórias que ressoam com um público mais amplo. “Além de que, só por existirem, elas me entendem quase como a mim mesma, por sermos mulheres; além de que o impacto que isso deixa para a formação de mais mulheres no cinema (ou nas suas artes) é inimaginável.”, pontua.
A criatividade em produções audiovisuais no interior, como em Mossoró, tem um papel fundamental na inspiração e fortalecimento do cinema local, especialmente ao valorizar a identidade cultural e promover a democratização do acesso à sétima arte. “O impacto disso é a produção de mais projetos, a idealização de ideias fantásticas, a autoaceitação do se ver como artista, e muito mais. São crianças que passam por ali e se sentem curiosas para saber o que está acontecendo; são pessoas que estão passeando na calçada da Praça que percebem a movimentação e, quando chegam em casa, vão assistir a um filme; etc. E tudo isso acontecendo no interior do Estado do RN, naquela cidade pequena, do interior do interior do interior de um país continental, é ainda mais instigante, porque toda a ideia construída pelo capitalismo que só se faz cinema na capital, nas grandes metrópoles ou no eixo Sul-Sudeste é quebrada e a possibilidade de nos tornarmos produtores das nossas próprias histórias deixa de ser utópica e passa a ser real.”, reflete.
Os compromissos, as responsabilidades, obrigações, o cotidiano em si nos impede de perceber o que há em volta. A natureza é uma das primeiras a passar desapercebida, justamente por estar ali, sempre presente. “Tanta coisa acontece e parece que ficamos sempre presos nos problemas cotidianos e esquecemos que também existe vida para além de nós mesmos, que a natureza também faz parte da gente.”, reflete Sara.
A pré-estreia do curta-metragem “A árvore” deve acontecer ainda este ano em Mossoró, depois, o filme deve circular em festivais de cinema Brasil afora. Apesar dos desafios, desenvolver produções como essa no interior pode trazer muitas vantagens, funcionando como um propulsor de criatividade, expandindo a possibilidade de explorar locações únicas, a oportunidade de valorizar a cultura local e a chance de criar narrativas originais que refletem a identidade da região.







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