Ter interesse e afinação por alguém que você conhece é fácil, relacionamentos interpessoais se estabelecem a partir disso. Mas e quando essa admiração acontece à distância, por alguém que nem sabe que você existe? Quais os motivos levaram centenas, milhares, milhões de fãs de todas as partes do Brasil à praia de Copacabana no último sábado (3) para assistir ao show de uma nova-iorquina cantando em outro idioma?
Cefas Andrade é mossoroense e hoje tem 26 anos de idade. Aos 10, ele descobriu o sentimento de ser fã. “Ela desde sempre despertou minha atenção não só pela sua arte que era diferente de tudo que eu tinha visto, mas também por tudo que ela defendia e representava.”, conta o jovem publicitário.
Em 2009, Lady Gaga se estabelecia na indústria musical como uma força global e um fenômeno pop, após o lançamento do seu álbum de estreia, “The Fame”, em 2008. Com sucessos como “Just Dance” e “Poker Face”, a cantora conquistou o público e a crítica, sendo reconhecida por sua estética ousada, performances teatrais e um estilo musical que se destacava na cena pop.


A estética ousada da cantora, muitas vezes lida como estranheza foi o que também despertou o interesse de Conde Suassuna. O jovem reside na cidade de Patu, e conta que quando teve o primeiro contato com a figura de Lady Gaga, através das músicas e dos videoclipes, foram amor e identificação imediatas. “Eu era um adolescente estranho, cheio de arte para expressar e não tinha uma referência de artista naquele momento que representasse a ideia de arte que eu achava ter.”, revela.


Os fãs brasileiros celebraram o boato de que a cantora de “Born This Way” viria o Brasil após 13 anos. A notícia foi comentada nas redes sociais por semanas até ser confirmada pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. O editor de vídeo Gleison Teixeira foi na contramão da legião de fãs de Lady Gaga, ávidos para ver a cantora. Em um primeiro momento ele não achou que fosse possível conseguir realizar seu sonho, então confessa que torceu um pouquinho em segredo para que a notícia não fosse verdadeira. “Já corria um burburinho nas redes sociais que ela poderia ser uma das atrações, mas eu não acreditei, e não vou mentir, que eu torci para que não fosse ela, risos, porque na minha cabeça eu achava que eu não ia conseguir ir, era uma realidade muito distante, então quando saiu quem realmente era, foi um misto de emoções, com planejamento e organização para conseguir realizar esse sonho, vivendo altos e baixos desde janeiro, misto de frustração e vontade de não desistir, e persistindo pra tentar realizar esse desejo.”, desabafa. O veredito final só veio aos 45 minutos do segundo tempo, ele só conseguiu comprar as passagens três dias antes da data do show.


Lady Gaga consolidou-se como um ícone da comunidade LGBTQIAPN+, sendo amplamente reconhecida por seu engajamento em causas sociais. Desde o início de sua fama, ela marca presença em paradas pela igualdade e eventos que celebram a cultura queer. Suas músicas, clipes e projetos promovem liberdade e aceitação de forma consistente. Por isso, um show gratuito na Praia de Copacabana, um dos pontos turísticos mais emblemáticos do Brasil e do mundo, representaria um marco histórico não apenas para a trajetória da artista, que atraiu um público recorde de mais de 2 milhões de pessoas – o maior já registrado para uma artista mulher –, mas também para os fãs que, ao longo dos anos, encontraram força em sua mensagem de inclusão e liberdade.
Esse evento permitiria que uma geração que cresceu admirando e se inspirando na Gaga realizasse o sonho de vê-la ao vivo, em uma apresentação repleta de performances vibrantes, danças, coreografias, canções icônicas e estética gótica marcante. “É como você ver pessoalmente uma pessoa que conhece há anos e não teve a oportunidade de conhecer ainda. Sentir a presença de alguém que cresceu com você, ouvir músicas que estiveram presentes nos momentos mais importantes da sua vida pessoalmente, não tem preço”, explana o contador Gabriel Maia, natural de Tabuleiro do Norte, no Ceará, mas residente de Mossoró desde 2020.


Como nem tudo são flores, os perrengues para a realização de um sonho não só de uma, duas, três ou quatro pessoas, mas de mais de dois milhões que se deslocaram até a Praia de Copacabana, são inúmeros, seja para chegar ao local, por longas filas, negligência da polícia e dos organizadores, relatado por diversos fãs, ou ainda conflitos entre o próprio público. Nas redes sociais, internautas relataram também desorganização no esquema de evacuação montado pela Prefeitura do Rio. Segundo os relatos, apenas uma entrada estava liberada para acesso ao metrô, e ruas próximas ao local não foram fechadas para facilitar a dispersão da multidão.
Essa situação também foi relatada tanto por Cefas quanto por Conde Suassuna, Gleison e Gabriel. Todos eles enfrentaram dificuldades para conseguir se deslocar até à região Sudeste do Brasil e realizar o sonho de suas vidas. Houve dificuldades nas conexões entre voos, na dinâmica das filas, na longa espera até o início do show ou ainda na locomoção de volta para casa.
Para Conde Suassuna, que até mesmo chegou a compor uma música em homenagem à diva pop, intitulada “Dance Like Gaga”, disponível nas prataformas de streaming, todo o esforço foi recompensado: “O espetáculo é muito bem produzido, ela e a equipe são de alto padrão e tudo vale muito a pena.” Ele não é o único. Apesar das dificuldades, os potiguares que se deslocaram para realizar o ímpeto dos seus “eus” adolescentes, comemoram o feito. Novos megashows são esperados para à Cidade Maravilhosa. Diante disso, o público espera organização e empatia dos organizadores e patrocinadores do evento.
A música e estilo de vida de vida de Lady Gaga, que celebram a diversidade e a liberdade de expressão, ressoam profundamente na comunidade LGBTQIA+, proporcionando uma sensação de empoderamento e pertencimento. Por isso, apesar dos pesares, o dia 3 de maio de 2025 ficará para história não só como o maior público da cantora, mas também como o dia em que Brasil parou para ver a popstar. “Ela sempre teve um discurso de liberdade e autoaceitação muito forte. Era como se ela falasse através da música, dos clipes, das suas falas e até mesmo de suas roupas, aquilo que uma pessoa sempre precisou ouvir: que não tem nada de errado em ser quem você é.”, conta Cefas, referenciando a icônica “Born This Way”, eternizada na voz da cantora.


Não são só o amor, a paixão e a admiração pela artista, mas toda a experiência vivida tornou esse momento inesquecível. “O coração transborda de felicidade quando você está lá e escuta milhares de pessoas cantando as mesmas músicas, chega a arrepiar. Um registro que vai ficar marcada pra sempre na memória.”, expressa Gleison.
Gabriel até se preparou para ir ao show da Gaga em 2017, quando a cantora seria atração do Rock in Rio, mas o evento foi cancelado devido a problemas de saúde causados pela fibromialgia. Para ele, estar no meio dos “seus” faz toda a diferença. “A sensação é a mesma de grandes eventos: um sufoco. Mas teve uma coisa que fez toda a diferença, o público. Quem é da comunidade LGBTQIAPN+ se sentiu muito acolhido e em casa. Sem confusão, todos aproveitando e focados no show.”, conta.
Seja nos Estados Unidos, no Japão ou no interior do Rio Grande do Norte, as pessoas compartilham preferências musicais, histórias, emoções e experiências semelhantes. Quando se identificam com uma artista que representa suas dores, medos e inspira por meio de uma trajetória de superação e resiliência, isso une uma comunidade inteira, transformando-a em uma força poderosa. Essa comunidade se transforma em uma multidão, carinhosamente apelidada pela cantora de Little Monsters – “porque eles eram intensos nos shows, gritavam alto, usavam roupas extraordinárias e se divertiam imensamente celebrando a música”, conforme Gaga mesma descreveu – reflete essa conexão única.
Você precisa fazer login para comentar.