Até os 47 anos, o câncer era algo muito distante da vida da comerciante Rosângela Lima. Com três filhos e quatro netos, frutos de um casamento com mais de quatro décadas, Rosângela sentiu na pele os maus-tratos de uma das doenças que mais acomete mulheres no Brasil.
O primeiro contato de Rosângela com o câncer aconteceu quando ela perdeu um irmão para a Leucemia. Apesar de todo o tratamento e de fazer o transplante de medula, o irmão da comerciante acabou falecendo em 2012, em decorrência da doença. Em meio ao luto, Rosângela não imaginou que no ano seguinte, seria a vez dela de travar essa batalha.
Mesmo sem nenhum histórico de câncer de mama na família, Rosângela sempre cuidou da saúde. Desde que completou os 40 anos, ela passou a fazer os exames anualmente. Assim aconteceu em 2013: fez o check up anual e mamografia e ultrassom estavam normais. Seis meses depois, Rosângela começou a notar algo diferente na mama.
“Eu comecei a notar tipo que o mamilo ficava grudado no sutiã, não sangrava, mas ficava aquela grudaçãozinha. Aí eu comecei a estranhar e já marquei a ultrassom, com meu médico que na época me acompanhava. Uns dois dias depois eu levantando o braço percebi uma retração na minha mama esquerda, tipo um amassadinho encolhido, como se fosse assim uma casquinha de laranja, sabe?”, conta Rosângela.
De acordo com a mastologista Carolina Diógenes, o sintoma percebido pela comerciante é um dos mais comuns: “O sintoma mais comum é o aparecimento repentino de um nódulo na mama, geralmente endurecido, com bordas irregulares e muitas vezes fixos […] Outros sintomas frequentes são: assimetrias (diferença repentina no tamanho das mamas), abaulamentos ( alteração da forma da mama), nódulos em região axilares palpáveis, alteração da pele (feridas que não cicatrizam), pele em casca de laranja (edema ou espessamento da pele), vermelhidão indolor, retração da pele do mamilo ou da mama, secreção espontânea pelo mamilo de cor sanguinolenta ou transparente”.
No primeiro momento, a possibilidade de estar com uma doença que para ela era desconhecida, assustou Rosângela. De imediato o médico dela pediu novos exames, até que uma ultrassom revelou o nódulo no seio esquerdo em Estágio II, o mais avançado.
A mastologista explica que o câncer de mama pode se apresentar em cinco estágios: 0, I, II, III e IV, sendo o O, o menos avançado, e o IV o grau em que a doença se torna metástase. O ideal é diagnosticar nos Estágios 0 e I, pois no Estágio II já pode haver acometimento linfonodal.
“Pacientes diagnósticos no Estagio 0, entendemos que ele [o nódulo] é muito pequeno e se encontra no nível inicial da doença. Estagio 1 o tumor é menor que 2cm e geralmente ainda não se disseminou para linfonodos, no Estágio 2 o tumor já tem entre 2cm e 5cm, já podendo estar com disseminação linfonodal”, esclarece Carolina Diógenes.
Assim como Rosângela, por anos, milhares de mulheres enfrentam o câncer de mama no Brasil. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), em 2022 foram estimados mais de 66 mil novos casos da doença. O câncer de mama é o tipo de câncer mais incidente entre mulheres e também o que mais mata: a taxa de mortalidade ajustada por idade, pela população mundial, para 2019, foi de 14,23 a cada 100 mil mulheres.
Em relação ao Rio Grande do Norte, os dados estimados do INCA para 2022 mostram que o estado tem a maior taxa bruta de incidência do câncer de mama na região Nordeste, com 61,85 casos para cada 100 mil mulheres.
REDE DE AFETO
Na luta contra essa doença, o tempo é um dos personagens principais da história. Tão logo recebeu seu diagnóstico, Rosângela deu início ao seu tratamento. Fez quimioterapia, mastectomia total e radioterapia. Rosângela conta que o tratamento foi árduo, e chegou a pensar que não ia conseguir suportar.
“Quando a gente tem câncer a gente pensa que é uma sentença de morte. Quando você descobre é horrível, e pra mim não foi tão fácil porque eu já sabia mais ou menos como era o tratamento [..] Foi horrível, eu achava que eu não ia suportar”.
Não foram meses fáceis, mas com o apoio integral de toda a família, Rosângela conseguiu passar pelo tratamento e vencer a doença. Diferente do que acreditam a maioria das pessoas, o câncer, no entanto, não acaba quando a paciente está em remissão. São necessários acompanhamentos constantes durantes os primeiros anos pós câncer, que segundo Carolina Diógenes, têm o objetivo de prevenir um possível retorno da doença.
“O acompanhamento pode ser a cada 3 ou 6 meses nos primeiros 3 anos, e a cada 6 a 12 meses no 4º e 5º anos, e a partir de então acompanhar anualmente. O objetivo basicamente é detectar recidivas locais precoces e na mama contralateral, tentar minimizar os efeitos contralaterais do tratamento, motivar ao uso do bloqueadores hormonais, motivá-las à prática de atividade física e dieta adequada, detectar possíveis metástases à distância, monitorar e avaliar linfedema, fornecer junto à psicólogos e assistentes sociais apoio ao retorno de suas vidas o mais normal possível, dentro do contexto de cada paciente”, diz a mastologista.
Após cinco anos, Rosângela recebeu sua alta. Mesmo com a tranquilidade da cura, ela sempre fica com “aquela pulguinha atrás da orelha”, e quando tem algum sintoma semelhante, acaba relacionando ao câncer. Só quem já teve a doença entende o temor de que um dia ela volte. Foi partilhando esse medo com outras mulheres que passaram pelo mesmo, que Rosângela se fortaleceu.
“Eu descobri um grupo de apoio em 2014, Toque de Mama, que são mulheres que passaram pela mesma situação, são mulheres que também fizeram tratamento, algumas retiraram a mama toda, outras não, algumas que perderam o cabelo, outras não. Nesse grupo a gente se integra, a gente faz visitas ao hospital, dá apoio para algumas pessoas que estão descobrindo a doença, a gente passeia, a gente se diverte, é muito bom”, conta Rosângela.
O apoio do grupo foi essencial em diversos aspectos, um deles foi a autoestima. A queda do cabelo e a perda da mama afetam o psicológico das pacientes que passam pelo câncer. Para Rosângela, o caminho para se reencontrar depois do tratamento foi a reconstrução da mama. Por muito tempo ela tentou usar próteses externas, mas não conseguia se adaptar.
“É muito difícil você se ver mutilada, sabe? Durante muito tempo eu fiquei assim incomodada. Eu usava uma prótese de silicone daquelas uns produtos que a gente compra e doía, maltrata a costela da gente, fica dolorida. É uma coisa que incomoda, é quente, e sem contar aquela coisa de você ter sempre aquele medo de usar uma roupa que dê para aparecer”, diz Rosângela.
Por algum tempo, a comerciante deixou de usar roupas com decote e biquíni, por não se sentir a vontade. Com o apoio da família e amigos, principalmente do esposo, ela fez a reconstrução da mama. “Foi um desejo meu, nada do meu esposo […] Às vezes eu dizia assim, “o que é que você acha? Eu faço, ou não faço?” Ele disse: “Meu amor, a vontade que prevalece é a sua. Eu nem digo a você que faça, e nem que não faça. Mas o que você fizer eu lhe apoio”.
“Eu coloquei porque era um sonho meu, era uma vontade minha, um desejo meu […] A gente se sente completa novamente”, diz Rosângela.
Cuidar do emocional durante o processo de enfretamento da doença é tão importante quanto o próprio tratamento. “É extremamente importante cuidar do emocional, da autoestima dessas pacientes. Faz com que as mesmas tenham uma maior aderência ao tratamento que é extremamente desgastante. O trabalho dos médicos e equipe multidisciplinar é também as motivar a continuar as suas vidas apesar do câncer. O apoio familiar, dos amigos e grupos de pacientes é sempre bem-vindo”, diz Carolina Diógenes.
O laço construído no Toque de Mama seguiu para além do período da doença. Hoje, aos 55 anos, Rosângela segue participando do grupo. Agora dando apoio para quem está passando, pelo mesmo que ela enfrentou.
PREVENÇÃO
Quando se fala de câncer de mama, o diagnóstico precoce pode salvar vidas. De acordo com a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (FEMAMA), se a pessoa for diagnosticada precocemente, as chances de cura podem chegar a 95%. No caso de Rosângela, em seis meses o nódulo que não foi detectado numa mamografia anterior, cresceu e foi encontrado em Estágio II. Foi graças a um autoexame que ela conseguiu identificar a doença. Por isso a recomendação da mastologista é unir forças entre os cuidados pessoais e os cuidados especializados.
“Talvez o fator que mais impacta no sucesso do tratamento e na agressividade do mesmo é o estágio que detectamos a doença. Por isso a importância da paciente fazer uma visita anual ao mastologista a partir dos 40 anos (as pacientes que fazem parte de um grupo de alto risco iniciam esse rastreamento mais precocemente)”.
Em relação a mamografia, o protocolo recomendado pela Sociedade Brasileira de Mastologia é realizá-la anual a partir dos 40 anos de idade, para a população geral.
Já o autoexame, segundo a mastologista, deve ser feito mensalmente pelas mulheres que já passaram pela primeira menstruação. Ela explica que a melhor época para fazê-lo é entre o terceiro e o quarto dia após o término da menstruação. “Ela deve se olhar no espelho e verificar se apresenta alguma alteração na pele e na forma (parada e movimentando os braços), verificar se apresenta secreções pelo mamilo ( isso pode ser verificado examinando a roupa intima ou de dormir) e por ultimo palpar toda a mama e região da axila a procura de nódulos”, diz Carolina Diógenes.
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