Lá se vão três meses desde a última publicação. Após uma corrida eleitoral que nos tomou muito tempo e, de alguma forma, a leveza das divagações, estamos de volta. Minhas desculpas aos queridos leitores e leitoras que nos acompanham.
No fim de semana que passou pude reencontrar uma importante parte da minha trajetória enquanto pessoa. Após um ano de minha última passagem retornei à Natal (RN) para cumprir um compromisso particular e reencontrar minha querida tia Maria Amélia e suas sobrinhas Onilda e Claudiane.
Vou fazer um breve preâmbulo para contextualizar a coluna de hoje.
Por um pedido do meu avô paterno, Tia Maria (que fora casada com meu tio-avô) me acolheu lá no ano de 1997 quando cheguei na capital do Estado do Rio Grande do Norte. Um jovem universitário com uma Chevrolet Marajó cor de telha e um porta-malas cheio de sonhos. Morava sozinho num quarto com varanda na Avenida Prudente de Morais, mas todas as noites antes de retornar do trabalho passava na casa da Rua Felipe Camarão, localizada no Centro da cidade, para um jantar e uma boa prosa.
Com o passar dos meses aprendi que qualquer que fosse o desafio, sabia que no fim do dia eu seria resetado e meu ânimo estaria renovado. Ao chegar, logo avistava a jardineira ao lado do portão florida com as alamandas e buganvilas. Tocava a campanhia e Tia Maria surgia na escadinha com um sorriso no rosto e um molho de chaves na mão.
– Olá, garoto!!
– Oi, tia!
Cruzava a porta de madeira de lei (daquelas que abrem em duas partes e são bem altas) e era como se atravessasse um portal. Naquele ambiente habitavam apenas bons sentimentos, poesia, filosofia, ensinamentos e muito amor.
Sentava à mesa e ali havia um banquete todos os dias. Um banquete de alimentos variados e deliciosos. Um banquete espiritual. Um banquete de generosidade e afeto. Eu, um garoto de 19 anos, ficava ali por horas bebendo daquela fonte de saber e altruísmo. Me perguntava por vezes, o que tinha eu de tão especial para receber tanto dessa senhora?
Minha imaturidade e juventude não me permitam ver que eu não tinha nada demais (o jovem comete por vezes o erro de se entender centro do universo). Ela era assim com todos. O taxista que a levava para seus afazeres. As amigas da igreja. Os sobrinhos. Familiares. Os ex-colegas de trabalho. Tia Maria distribui afetos sem nunca esperar nada em troca. Ela é feliz em ver felicidade. Demorei um pouco para compreender isso. Mas quando o fiz, percebo que me tornei uma pessoa melhor.
Hoje, aos 98 anos (completados no último 15 de agosto), Tia Maria permanece cumprindo sua missão de luz nesse plano. Nesse reencontro de ontem, um livro estava sobre a mesa – Conte Comigo. Um livreto com uma coletânea de frases de Exupery (ela adora Saint Exupery e é uma leitora contumaz de grandes e pequenos autores – além de escritora também).
Como fazíamos décadas atrás, líamos alguns trechos de livros e conversávamos sobre a beleza da literatura, da arte, das mensagens do Cristo. E neste sábado, 5 de novembro pude reviver toda a graça desses momentos. Celebrar com minha querida tia os pequenos milagres da vida.
São muitas as frases. Vou escolher duas que permearam nosso manjar de ontem:
– Não me importo com o que você sabe, mas com quem você é (retirada da obra ‘Cidadela’)
– Os verdadeiros milagres fazem pouco barulho. Como são simples os acontecimentos essenciais. (retirada da obra ‘Carta a um refém’)
Como há uma imensidão de saberes nesses pequenos trechos. Como há uma infinidade de reflexões a serem extraídas dessas poucas linhas. Minha tia foi e sempre será uma ponte de aproximação comigo mesmo e com toda a beleza das pequenas coisas.
Acredito que vou precisar voltar a escrever sobre essa ilustre personagem (uma coluna não comporta toda a latitude dessa figura única). Ao final de nosso jantar, ela relembrou uma canção que costumávamos cantar quando recebia convidados estrangeiros (sim, ela também fala inglês).
Cantarolamos e sorrimos ao som dos compassos firmemente marcados pelas palmas de Amelinha.
You are my sunshine
My only sunshine
You make me happy
When skies are gray
You’ll never know, dear
How much I love you
Please don’t take
My sunshine away
(Você é meu raio de Sol, meu único raio de Sol
Você me faz feliz quando o céu está cinza
Você nunca saberá, querido, o quanto eu te amo
Por favor, não levem o meu raio de Sol embora)