Nascida em Mossoró/RN, mas criada na Praia de São Cristóvão, na comunidade de Areia Branca/RN, Maria de Lourdes encontrou na arte uma forma de expressar sua jornada pessoal e as complexidades da identidade diaspórica que movimenta a herança negra que transborda em si.
A artista potiguar traz consigo as raízes ancestrais e a expressão vibrante em conduzir a arte como afirmação de um povo. As produções e obras dela destacam o impacto da narrativa visual seguindo um olhar anticolonialista.
Considerada autodidata, os primeiros contatos com a arte vieram logo na infância. Ao lado da mãe e da tia Nalvinha, a jovem começou a ver a pintura e o artesanato com admiração e encanto – ali foi possível perceber que nascia uma artista.
“Minhas lembranças mais antigas fazendo arte é com minha mãe, que gostava de recortar revistas comigo e depois colávamos em caixas de papelão, eu amava. Também têm a cunhada dela, Nalvinha, lá de Cristóvão, pintora incrível, recordo de entrar na casa dela e ver grandes pinturas das paisagens da praia”, diz.
Em 2017 retornou à cidade natal para cursar o ensino superior, mas o até então sonho, não foi compatível com que a jovem pensava em querer para a vida. “Meu corte com esse ciclo foi quando comecei a me entregar à arte, com nenhum pensamento de encarar aquilo como profissão, mas por querer expressar a confusão interna que estava passando ao perceber que eu não enxergava uma universidade em que eu pudesse existir e progredir ali”, comenta a artista.
Tempos depois, a arte tornou-se um refúgio para suprir dores, mas também agiu como suporte para lutas diárias contestadas pela artista, como machismo, racismo e xenofobia.
Maria de Lourdes sente que criou uma conexão e intimidade com a pintura, mas não limita-se a uma área, e afirma “também experimentar outras linguagens nas artes visuais, gosto muito de fotografia, colagens e instalação”. Complementa dizendo que “a pintura me salvou diversas vezes, como tem sido até hoje”.
Tendo outros trabalhos fora da pintura, a artista já dirigiu e produziu duas exposições individuais: Corpo Diaspórico (SESC – Mossoró, 2021) e AFROCENTRO (Beco dos Artistas, 2022).
A essência dela é construir uma imagem positiva e próspera sobre a população negra, trazendo uma visão decolonial, inserida no contexto de heranças e saberes da população, especialmente no nordeste potiguar. “Meu trabalho sugere um imagético para a população negra em seu território em que se constrói e se revisita visualidades positivas e prósperas”.
A contraposição para essa narrativa, na visão da artista, é a perda da imagem de povos colonizados que sobrevivem a esse processo de controle.
“Gosto de pintar nossas heranças e saberes mais bonitos, pensar onde nos aquilombamos e por onde mais podemos fazê-lo. Como diz o grandioso Nego Bispo: eu vou falar de nós ganhando. Porque para falar de nós perdendo, eles já falam”, explica Maria de Lourdes.
A ARTE QUE GANHA O MUNDO
Com produções do acervo, compondo a marca Kenner, que adquiriu uma obra durante participação da artista na editoria Galeria Kenner em novembro de 2023. Em julho de 2023 seu trabalho esteve na Pinacoteca do Estado do RN com a exposição Modos de Ver e Modos de Ser Visto, com curadoria de Sânzia Pinheiro e realização do Centro Cultural do Banco do Nordeste (CCBNB).
Chegando a lugares até então imagináveis, a artista foi convidada a compor com cinco obras, a maior exposição anual do Museu de Arte do Rio (RJ), a coletiva Funk: Um Grito de Ousadia e Liberdade, em cartaz até agosto de 2024.
A obra ‘Sambalanço/memória corporal, 2023’ de composição da artista agora faz parte do acervo de obras de arte do Banco do Nordeste, que viabiliza a exposição coletiva e itinerante Nordeste Expandido: estratégias de (re)existir, que irá circular pelos Estados de atuação do banco, onde pode-se encontrar obra da artista. A mostra atualmente está em Recife – PE.
A trajetória artística de Maria não se limita ao Brasil, uma das obras assinadas pela jovem foi adquirida por colecionadores no Canadá.
Ao refletir sobre carreira, a potiguar celebra as conquistas:
“Sinto que com 25 anos de idade e seis de carreira, conseguir expor meu trabalho. No contexto que fui inserida desde a barriga da minha mãe, numa comunidade tradicional no interior do Rio Grande do Norte, são imensuráveis tais conquistas. Artista potiguar e de comunidade pesqueira sendo reconhecida por veículos importantes no Brasil, sabendo que praticamente não temos”, diz.
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