Esses dias, conversando com uma jovem e inspiradora repórter sobre textos e crônicas de jornalistas que (como nós) se aventuram pelos devaneios da escrita, falava de um bloqueio criativo instalado por aqui nas últimas semanas. O pragmatismo que se impôs sobre mim e a pequenez humana me deixaram um tanto prático demais.
- Jovem, não gosto de escrever quando estou assim. Essa sensação afeta minha pena.
- Sei como é isso.
Depois do nosso diálogo (esse foi apenas um recorte) decidi não me entregar. Propus-me a trazer à tona os pensamentos e fazer palavras das divagações numa crônica. Um lugar fictício com personagens que habitam o mundo real.
Nesse lugar, que pousa no imaginário e no real ao mesmo tempo, as horas passavam como carros numa rua movimentada. Lá havia dois extremos coabitando: a gentileza e a mesquinhez. Eram como vizinhos em casas opostas. As diferenças destacando-se na paisagem urbana.
A gentileza, personificada numa alegre senhora de cabelos prateados que irradiava bondade (ela poderia facilmente ser minha Tia Maria Amélia – já apresentada noutro texto de nossa coluna. You are my Sunshine). Tinha o hábito de cultivar flores em frente à sua casa, não apenas para embelezar o bairro, mas também para oferecer pequenos buquês aos transeuntes. Seu sorriso era um convite à conversa, e suas palavras eram um bálsamo para corações aflitos. Os que por ali passavam eram inundados pelo bem.
Do outro lado da rua, vivia um senhor sisudo. Testa enrugada e lábios cerrados. A mesquinhez se refletia em cada aspecto de sua vida. O muro alto e a cerca elétrica não apenas mantinham a privacidade, mas de alguma forma representavam a relutância em se abrir para o mundo. No topo da casa uma flâmula balançava ao vento. De tempos em tempos era renovada após ser consumida pelo clima seco e sol forte.
A vida naquela rua era um equilíbrio delicado entre essas duas forças. Refletindo, entendo que nossa jornada seja como essa via. Vez por outra é preciso encarar o fluxo intenso. Cruzar o asfalto com atenção. E escolher bem em qual calçada vamos caminhar.
Mesmo diante dos desafios, eu escolho a calçada de Tia Amélia. Sempre vai haver alguém do outro lado da rua. Então, siga. Se você for gentil e mesmo assim te julgarem, siga sendo gentil. E não mude de calçada.