Por Rafaela Lúcio
O vapor doce que parece ser inofensivo e acompanha os cigarros eletrônicos tem seduzido jovens em Mossoró, como Daniely Araújo, de 23 anos. Ela é mãe de uma criança de três anos, e há pouco mais de um mês parou de consumir cigarros eletrônicos, conhecidos como vapes. Trata-se de um dispositivo de bateria no qual é colocado um líquido concentrado de nicotina, que é aquecido e inalado pelo usuário. Daniely conta que suspendeu o consumo após conhecer uma recomendação do Ministério Público de Mossoró, que sugere a proibição da venda e uso desse tipo de dispositivo em ambientes abertos e fechados.
A orientação do órgão foi desenvolvida em alinhamento com a Organização Mundial da Saúde, que sugere aos países tratar esses dispositivos da mesma forma que o tabaco é tratado, com medidas de controle e proibição.
A recomendação foi publicada em setembro deste ano. Quando Daniely assistiu pela televisão reconheceu os efeitos letais que poderia estar desenvolvendo e os riscos que submetia o filho de apenas três anos. “Isso me fez entender a gravidade e questionar o que seria da vida do meu filho sem mim, ou da minha sem ele, levando em consideração os riscos que meu filho estava correndo só em inalar a fumaça do cigarro eletrônico que eu usava. Eu quero ver meu filho crescer.”
O vício em cigarros eletrônicos começou aos 20 anos de idade na vida de Daniely, durante eventos e baladas mossoroenses. “Usava por diversão, era comum. Naqueles ambientes, o cigarro eletrônico tinha uma essência não vívida, e ainda assim podíamos usá-los várias vezes. De início, pensei que não era algo prejudicial à minha saúde”, destacou Daniely.
Esse comportamento reflete um estudo elaborado pelo Ipec, Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica, que aponta os jovens, com idade entre 18 e 24 anos, como os principais usuários, principalmente em baladas. Os dados mostram que o consumo cresceu cerca de 600% nos últimos seis anos, no Brasil. Somente em 2023, 2,9 milhões de brasileiros consumiam vapes no país. Entre 2019 e 2023, o Rio Grande do Norte registrou 3.165 mortes relacionadas ao tabagismo, embora não haja dados oficiais específicos sobre os dispositivos eletrônicos.
A principal preocupação está ligada ao consumo de jovens, incluindo menores de idade, e os riscos à saúde e à sobrevivência humana em meio à fumaça provocada pelo dispositivo. A oncologista Danielli Matias explica porque as organizações de saúde temem a dependência do vape, e a possibilidade de um diagnóstico de câncer.
Confira o áudio da oncologista Danielli Matias explicando sobre a dependência que o cigarro pode causar aos jovens:
Ameaça invisível em locais públicos
Em Mossoró, a Praça da Convivência é um dos principais pontos turísticos e de lazer, atraindo tanto moradores quanto visitantes. Este espaço se destaca como um cenário ideal para criar lembranças inesquecíveis no coração dos mossoroenses. No entanto, um ambiente que deveria ser sinônimo de lazer e sociabilidade tem gerado desconforto entre alguns frequentadores devido ao uso frequente de cigarros eletrônicos.
Raquel Silva, de 21 anos, é estudante e está lutando contra o vício do cigarro eletrônico. Ela é consciente de que o uso desses dispositivos é prejudicial à saúde e, apesar de seus esforços para resistir, encontra dificuldades, especialmente quando está na Praça da Convivência. “Ando frequentemente pelos bares da convivência e é comum ver a venda de cigarros eletrônicos, principalmente quando há alguma atração. Tem até um ambulante conhecido que sempre aparece vendendo nesses lugares”, lamenta Raquel Silva, de 21 anos.
Na recomendação, o MPRN estabeleceu tem como base leis e resoluções, como a Lei Estadual nº 9.423/2010, que dispõe sobre a proibição do consumo de produtos derivados do tabaco em recintos coletivos fechados, e a Resolução da Diretoria Colegiada -RDC- nº 855/2024 da Anvisa, que mantém a proibição da comercialização, importação, armazenamento, transporte e propaganda desses dispositivos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), também proíbe a venda de produtos que possam causar dependência física ou psíquica a menores de idade.
Na recomendação, o MPRN destaca que a importação, comercialização e publicidade de cigarros eletrônicos, vapes e assemelhados são proibidas no Brasil. Além disso, o uso desses dispositivos em ambientes fechados já é vedado pela legislação estadual.
A Vigilância Sanitária Municipal de Mossoró recebeu cópia da recomendação para intensificar a fiscalização nos estabelecimentos. A reportagem procurou a Vigilância Sanitária para questionar a respeito das recomendações do MPRN e como estava essa demanda, mas nossa equipe não obteve retorno até a publicação da reportagem.
Confira o depoimento transformador de Jéssica Andrade, diretora da Conveniência & Tabacaria LIVE!
Impactos na saúde provocados pelo cigarros eletrônicos
A Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap) alerta que o uso de cigarros eletrônicos pode causar diversos danos à saúde, incluindo problemas respiratórios, como bronquite e EVALI (Lesão Pulmonar Associada ao Uso de Cigarro Eletrônico), além de aumentar o risco de infarto e AVC.
A Sesap iniciou no dia 17 de outubro, logo após as recomendações do MPRN, um processo de implantação de novos núcleos de controle de tabagismo, através de treinamentos on-line, com toda a rede de saúde de Mossoró, como agentes comunitários, enfermeiros, médicos, psicólogos, entre outros. Subcoordenadoria de Vigilância Sanitária (Suvisa) da Sesap realizou, um curso para fiscais com foco na fiscalização de cigarros eletrônicos. A ação foi em parceria com a Anvisa, que disponibilizou uma equipe de fiscais, e contou com a participação de representantes de todas as regionais de Saúde do RN.
Outro impacto preocupante é o desenvolvimento da dependência da nicotina, muitos dispositivos possuem altas doses. Em alguns casos, uma overdose de nicotina pode ocorrer devido ao uso inadequado de líquidos, causando náuseas, tontura e até envenenamento.
Oncologista Danielli Matias destaca que no cigarro eletrônico tem metais pesados que podem causar câncer:
“Estou lutando comigo mesma todos os dias para deixar de usar o cigarro eletrônico. Depois que soube das recomendações do Ministério Público, fico me perguntando quantos jovens ainda estão onde eu estava há um mês, sem saber os danos e como isso é prejudicial à saúde”, compartilha Raquel Silva.
As palavras de Raquel, jovem de 21 anos que luta contra o vício do cigarro eletrônico, refletem a batalha interna que muitos enfrentam ao tentarem abandonar o vício. Sua consciência sobre os riscos do cigarro eletrônico, após tomar conhecimento das orientações do MPRN, a motivou a mudar. Essa luta pessoal revela a necessidade de conscientização e informação sobre os perigos desses dispositivos, especialmente entre os jovens, que muitas vezes não têm plena noção dos efeitos adversos à saúde que podem enfrentar.
Saiba como fazer denúncia ao Ministério Público:
Denúncias podem ser realizadas na Central de Atendimento por ligação através do número 127 ou pelo WhatsApp (84) 99972-2389 ou indo até o Ministério Público.
Você precisa fazer login para comentar.