por Alexandre Fonseca
Desde a década de noventa, boletins do Governo Federal, apontam crescimento na produção/venda do sal marinho no Brasil, liderada por municípios litorâneos do Rio Grande do Norte, região denominada “Costa do Sal”. Os números indicam uma média anual de 5 milhões de toneladas do cloreto de sódio, com exportação expressiva para vários países vizinhos, gerando empregos diretos e indiretos.
Além de Mossoró/RN e Macau/RN, amplamente mencionadas em reportagens sobre a produção do sal de cozinha, por terem empresas físicas instaladas, o município de Grossos/RN é grande detentor da cultura salineira no país. Contendo uma área aproximada de 126 km², possui uma quantidade significativa de salinas, localizadas na Zona Rural.
O secretário de meio ambiente e desenvolvimento, Kallyanderson Santos, aponta em torno de 200 bacias de sal, no município grossense. “Não temos uma precisão, pois, os salineiros aglutinam áreas e eliminam outras, o que pode resultar em variações dessa estimativa”, destaca. São pelo menos, cinco áreas produtoras, dentre elas, a Comunidade Córrego. No livro “Povo do Sal”, de autoria de Rogério Taygra Fernandes e Raimunda Thyciana Fernandes, está evidenciado que, somente no território citado, são 388,413 hectares voltados para a salicultura artesanal.





Indo até à comunidade, é possível encontrar diversos baldes de água salgada, estruturas como moinhos de vento, que ajudam na produção do sal e ainda, paisagens geográficas incríveis, principalmente, quando o sol está nascendo ou se pondo.
São nas salinas, que os salineiros encontram uma maneira de resistência a tradição passada por gerações, de continuar com a cultura da produção de sal, mesmo sendo um produto barato e desvalorizado, em determinadas épocas do ano. Visitando alguns supermercados em Mossoró, encontramos o quilo do sal refinado por menos de um real (R$ 0,90), enquanto na média brasileira, o valor é de quase R$ 2,00, em alguns casos, chega a ultrapassar os R$ 5,00.
Tentando driblar esse cenário, durante a pandemia, na região rural de Grossos, os salineiros expandiram a maneira de ofertar o condimento, iniciando junto a colheita do sal, a retirada da Flor de Sal das bacias. A Flor de Sal nada mais é do que um tipo de sal marinho, que se cristaliza na superfície das salinas. Os cristais se condensam, formando uma película sobre a água, ficando assim, prontos para a extração.
Quem vive nessa realidade desde 2023, é o jovem João Arthur Araújo, de 23 anos. João dispõe de uma vasta experiência no assunto, pois, cresceu acompanhando seu avô, produzindo sal artesanalmente. E nos dias atuais, mantém o legado da atividade manual, nos mesmos terrenos.
“A produção da Flor de Sal aqui, começou perto da pandemia, em 2019, 2020 e eu me envolvi em 2023, pelo interesse de buscar uma fonte de renda. As pessoas estavam produzindo e conseguindo comercializar para um comprador de Natal, como meu avô tinha uma salina, que foi dividida entre os meus tios e meu pai, quis fazer também essa venda. Ter uma outra fonte financeira”, conta João.
Já o Seu Jacinto Gomes de Melo, 65 anos, acompanhava um colega fazendo a colheita da Flor de Sal, quando resolveu iniciar a produção. Na época, extraia em média, 800 quilos da especiaria. Não lembra com exatidão, mas, estima pelo menos uns 10 anos que começou na empreitada. Com o passar do tempo, foi aparecendo gente interessada em comprar o produto e assim, o salineiro incentivou a adesão de mais pessoas na cultura.
Um dos maiores desafios é equilibrar o preço entre os salineiros, pra que a venda seja justa para todos. Hoje em dia, trinta quilos está custando o valor de R$ 20,00, porém, ainda tem comprador que acha caro e não enaltece todo o trabalho manual que é realizado, para que a Flor de Sal chegue no seu negócio, sequinha, peneirada, pronta para utilização. “A gente trabalha de manhã, até umas 9h, depois vem pra casa. Às 14h, voltamos pra salina e ficamos até às 17h. Essa é a nossa rotina”, relata Jacinto.
Filho do Seu Jacinto, Geilton Gomes de Melo, 38 anos, auxilia o pai nas salinas há várias décadas. É quem também ajuda na comunicação direta com possíveis compradores e realiza a entrega da flor de sal em outras cidades. Junto com o pai, faz parte de um grupo de sete sócios, que estão lutando para ampliar a atividade na região. Sua rotina, é praticamente a mesma aplicada na família, pelo seu genitor. “De manhã, nós vamos pra salina colher o sal normal, e a Flor de Sal, a gente pega após o meio-dia. Dependendo do vento e do sol, ela vai aparecendo em cima da água”, descreve Geilton.



Os salineiros revelaram que o horário da tarde é o mais propício para a colheita, pela temperatura ficar em torno dos 27 graus. As bacias de sal estabilizam essa temperatura, ficando em um grau único de salinidade. Coisa que só a natureza tem habilidade para orquestrar. O surgimento da Flor de Sal depende da maré, quanto mais sal tem na água, mais grossa ela brota na superfície da salina.
Processo de produção e colheita da Flor de Sal
Como já explicado anteriormente, a Flor de Sal é produzida na mesma bacia do sal marinho. O salineiro, com a ajuda de um equipamento manual, retira os cristais que se desenvolveram como uma camada. “A colheira pode ser feita todos os dias em um horário específico, das 14h até às 16h, que é quando a Flor de Sal já está firme. A gente faz isso com uma espécie de peneira, criada por nós. Moldamos um metal no formato de um retângulo, colocamos num cabo de vassoura, bem rudimentar, artesanal, e pra finalizar, costuramos uma tela. A partir daí, a gente vai colhendo e colocando em baldes furados, pois, quando a gente colhe, ela tá com água, assim a água vai escoando e ela vai secando”, explica João.


Após colhida, a Flor de Sal ainda permanece na salina por mais alguns dias. Naturalmente, o sol vai fazendo a sua parte, contribuindo com a “quintura”, retendo calor no sal, secando-o mais rápido. As toneladas são armazenadas em caixas-d’água (veja nas fotos), para depois de secas, passarem por um processo de limpeza, ficando prontas para a comercialização. Faço agora um convite a você leitor: entenda melhor um pouco da dinâmica de produção e colheita, assistindo ao vídeo a seguir:
Comercialização e abertura de uma nova empresa
João, ao lado de Seu Jacinto e Geilton, e mais alguns outros sócios, estão estruturando para os próximos meses, a abertura de uma empresa, que promete mudar os rumos das vendas salineiras na região. Mas antes, foi necessária uma série de etapas burocráticas, incluindo a regularização das áreas de produção de sal, pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte, Idema, através das licenças ambientais.
“Aqui começou com um projeto da Prefeitura de Grossos com a Ufersa, que tiraram as primeiras licenças de graça para os salineiros. Alguns nem quiseram procurar, com medo de que o Governo, no futuro, fosse querer dinheiro da produção de sal”, relata Geilton.
Em contato com a assessoria de comunicação do Idema, obtemos a informação de que a iniciativa de regularização das salinas artesanais de Grossos, foi desenvolvida com o financiamento de uma emenda parlamentar do Deputado Souza (PSB) e executada pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Ufersa, em parceria com a Fundação de Amparo e Promoção da Ciência, Tecnologia e Inovação do Rio Grande do Norte, FAPERN e a Prefeitura do município. Em 8 de abril de 2022, 86 licenças ambientais eram entregues aos salineiros da região, através do projeto “Ekosal”, liderado pelo professor Rogério Taygra. Em 2023, Taygra ao lado de Raimunda Thyciana Fernandes, lançaram o livro “Povo do Sal”, narrando os resultados das atividades oriundas do programa, contendo ainda, detalhes importantes a respeito da salicultura de Grossos.


“Coordenei o projeto ‘Ekosal’, que tinha como objetivo fazer a regularização ambiental das salinas artesanais de Grossos, com outros professores e alunos da Ufersa. Ao longo do programa, nós fomos cumprindo etapas: primeiro a reunião com os salineiros que tinham interesse em participar, depois, a etapa de mapeamento, elaboração de planta, todos os documentos necessários. Assim nós fomos estabelecendo parcerias, com a Prefeitura, com Instituto de Gestão das Águas do Rio Grande do Norte, IGARN, e por fim, com o Idema, que montou um grupo de trabalho pra analisar os processos de maneira mais rápida e ofertou a gratuidade. Uma economia de pelo menos R$ 6 mil reais, por cada salina”, disse Taygra.


“As licenças emitidas na época, foram para extração de sal marinho por evaporação, com a colheita sendo realizada de forma manual, o que difere das grandes salinas que trabalham com máquinas. Em 2025, estamos recebendo os requerimentos para renovação das licenças. O Governo do Estado, através do Idema, entrou com a isenção das taxas de licenciamento e a Ufersa fez os trâmites dos processos com plantas, memoriais, instrumentaram tudo”, ressaltou a assessoria do órgão ao Jornalismo TCM.
Após 24 meses das primeiras licenças concedidas, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, Sebrae, entrou na história. “Depois de dois anos, junto com o Sebrae, vieram pra gente tirar a segunda licença. O Sebrae isentou 70%, os salineiros arcavam com 30% e assim muitas pessoas quiseram tirar, até aqueles que não tinham tirado antes”, conclui o filho de Seu Jacinto.
Lecy Gadelha, analista técnico do órgão, esclarece como aconteceu a inserção do Sebrae, na produção não mecanizada do sal marinho regional. “O Sebrae/RN realizou uma reunião com os salineiros artesanais da Comunidade Córrego, para discutir o andamento do apoio às licenças ambientais. A ação foi viabilizada por meio de uma parceria com o Governo do Estado, através do Idema, que não cobrou as taxas para os produtores atendidos. Nessa iniciativa em questão, o Sebrae cobriu 70% dos custos dos projetos de licenciamento, enquanto a Prefeitura Municipal de Grossos, ficou responsável pela confecção das placas necessárias. Além disso, o processo de produção da Flor de Sal (um produto de alto valor agregado), está sendo conduzido por jovens filhos dos salineiros, que identificaram na atividade, uma oportunidade de geração de renda e continuidade do legado familiar”, elucida Gadelha.
“Na questão da nossa empresa, o Sebrae foi um encorajador muito forte. Nós tínhamos essa proposta, de um produto que tem o potencial de ser vendido amplamente, tanto no Brasil como no exterior. Juntamos os sócios, buscamos quem tinha interesse e estamos dando prosseguimento na abertura da empresa, para que o Sebrae possa nos apadrinhar. E a gente possa colocar esse projeto pra frente, consiga os contatos pras feiras que são promovidas pela entidade, assim, vamos criar um network com os compradores e vender nosso produto”, almeja João.
“O Sebrae junto com o Idema, Ufersa, foram fundamentais para assegurar as salinas para os salineiros. Muitos não possuem escritura pública e passaram a ter a posse desses lugares. Hoje, temos um processo de produção de sal juridicamente correto, com a licença. Temos um registro regular”, completa João.
“Essa empresa, abrindo, vai melhorar pra gente. As salinas estão regularizadas e pegar a Flor de Sal, já é uma ajuda a mais. O sal quando a gente tira, fica R$ 70,00 a tonelada e a Flor de Sal, vamos vender mais valorizada. É uma renda que vai ajudar dentro de casa”, diz esperançoso Seu Jacinto.
Utilidades da Flor de Sal
Como já apontado por Geilton, no vídeo anterior, a Flor de Sal tem muitas utilidades, incluindo a sua função direta na preparação de pratos, como condimento auxiliador nos temperos de variadas comidas.




De acordo com a nutricionista, Tatiana Zanin, a Flor de Sal pode contribuir também, para o equilíbrio da pressão arterial, melhora a absorção de nutrientes e é capaz de prevenir problemas na tireoide, por ser rico em minerais como magnésio, sódio, iodo e potássio. Atua ainda, na formação dos hormônios T3 e T4, ajuda na contração muscular, é mais crocante que o sal comum e possui um sabor acentuado. Sabor esse, que tem garantido a diferença em receitas incrementadas pelo Brasil, principalmente, na região Nordeste.
Enquanto finalizam o cadastro do CNPJ e ajustam detalhes como a identidade visual da empresa, embalagem correta… Os sócios já estão recebendo visitas, com o objetivo de fidelizar a clientela. Donos de estabelecimentos alimentícios de Natal e Fortaleza, já foram até a Comunidade Córrego, conhecer de perto a produção da Flor de Sal.
É o caso da empresária areia-branquense, Rani Vasconcelos, proprietária do restaurante Japa em Casa, situado na capital, Natal. Antes de se tornar chefe de cozinha, cursou Comunicação Social na UFRN, se formou publicitária e após um tempo na profissão, sentiu a necessidade de mudar de ramo. Vasconcelos fazia sushi quando era mais nova e começou a divulgar entre os amigos, como uma segunda fonte de renda, na intenção de fazer um dinheiro extra, que mais tarde usaria para abrir um negócio. Resultado disso, veio com o aumento das encomendas e então, ela abriu o empreendimento na sala de casa.



Suas habilidades na cozinha foram aprimoradas quando fez um intercâmbio no Canadá e morou com um casal de japoneses. O que tinha aprendido na internet, foi aperfeiçoado em contato direto com a cultura que teve acesso. Conheceu a Flor de Sal após abrir o restaurante e teve contato com Geilton, que na época, lhe deu alguns quilos.
“A gente usa a Flor de Sal há quase 10 anos. Para a gastronomia mais delicada, o sal refinado tem o sabor muito forte, já a Flor de Sal, tem o diferencial de realçar o sabor do alimento, é um realçador natural, trazendo benefícios à saúde. Tem uma peça querida na culinária japonesa, é o peixe com azeite trufado, raspas de limão siciliano e Flor de Sal. Conheci o produto, recebi uma amostra e é de qualidade, versátil, muito bom!”, afirma a chefe de cozinha. Enquanto é apontada como uma cliente em potencial, para a futura empresa que será aberta em Grossos, Rani segue em Natal, estudando, pesquisando maneiras de usar a Flor de Sal, em preparos específicos da culinária japonesa.
Impacto econômico para a Comunidade Córrego
A produção da Flor de Sal tem causado não só boas expectativas em relação à ordem econômica, como tem sido capaz de provocar mudanças sociais na Comunidade. No presente momento, é uma iniciativa que desperta o interesse na geração mais jovem. Como já bem colocado por João, pelo fato de ser um trabalho pesado, manual, o envolvimento era pouco, por parte da juventude. Ele, vivendo essa realidade, quebrou um paradigma e é exemplo na permanência da tradição salineira na Zona Rural de Grossos, assim como o Geilton, que acompanha o seu pai, desde pequeno.

“Com um sol intenso e baixa chuva, perfeito para evaporação natural, uma água limpa e rica em minerais, garantindo qualidade superior ao processo artesanal e sustentável, a tendência é de crescimento da atividade, que só grandes empresas (salinas) exploram. É um produto de alto valor agregado. Pensando nisso, os jovens salineiros estão abrindo uma empresa para comercialização, fazendo com que o produto chegue a vários locais do país e com marca própria que o Sebrae apoiará! Como estratégia, estaremos em conjunto com alguns chefes gourmet, divulgando em eventos e feiras que a instituição participa como organizadora e parceiros. Grossos pode se tornar referência em Flor de Sal artesanal no Nordeste, atraindo investidores e turistas”, assegura Gadelha.


“Nós estamos com quatro mil quilos estocados, porque, do preço que está se comprando, não vale a pena vender. Por isso estamos querendo abrir a empresa, pra valorizar nossa Flor de Sal e a gente poder comercializar, sem precisar deixar estocado. Muitos estão vendendo o quilo a R$ 5,00, R$ 6,00 e nós estamos com a nossa estocada, pra junto com a empresa, a gente tentar angariar um valor melhor, mais produtivo, que melhore a nossa renda. Eu acredito que a empresa vai impactar muito! Vai nos dar muito mais segurança, muito mais vontade de trabalhar, de ajudar os outros a produzir também e ter uma vida mais digna. Penso e quero que dê tudo certo, pra gente ficar bem financeiramente”, deseja Geilton.
“Com o preço da Flor de Sal valorizado (R$ 10,00 o quilo), vai ser uma fonte de renda e de lucro bem maior pra gente. Muitas vezes por causa do valor do sal, os salineiros ficam desencorajados a produzir, a vender, mas, com relação à Flor de Sal, estamos vendo um mercado em ascensão, acredito que isso vai ajudar a encorajá-los. Na minha vida, é uma fonte de renda, é uma forma de reconhecimento, de manter a cultura de um trabalho que iniciou com os meus avós e é um dos motivos de eu estar envolvido na empresa. Queremos fazer o sal de Grossos ser reconhecido e trazer uma melhoria de vida para nossa comunidade”, finaliza João.
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