Esta semana reencontrei um livro que gosto muito e que estava no armário há pelo menos uns três ou quatro anos (nem nas prateleiras ele ocupava lugar). Uma coletânea de crônicas (as melhores) de Rubem Alves. Na releitura dos meus grifos, e no registro de novos, uma das frases do autor me inquietou e hoje escrevo sobre ela.
“Cada Deus é o retrato de quem acredita nele”.
Na agitada semana que antecede a festa da carne sei que o tema é polêmico, mas pertinente em muitos aspectos. Nos meus momentos de observação não participante percebo os tipos e busco respostas em silêncio. Pergunto e respondo para mim mesmo.
Na pacata cidade da reflexão, onde o tempo parece transitar em ritmo próprio, uma diversidade de deuses habita os corações. Cada rua, cada praça, abriga um altar, uma expressão única de devoção.
A perspectiva de refletirmos o retrato dos nossos deuses nos coloca num lugar de conforto ou de inquietação. Assumo a responsabilidade desta fala, embora saiba dos julgamentos que podem advir de um posicionamento demarcado acerca de um tema tão sensível como a religião.
Confesso que tenho ponderado cuidadosamente as palavras nesta coluna. Já deletei ou editei algumas linhas, visando assegurar que minha opinião como observador não se torne um agravo para nenhum dos meus seletos leitores. Mas sigamos. Não gosto de muros.
A frase de Rubem Alves desvela uma profundidade de significados que ressoa nas complexidades das crenças humanas. Ao debruçarmo-nos sobre essa afirmação, somos convidados a explorar não apenas a natureza das divindades, mas também a singularidade da relação entre o crente e o objeto de sua devoção.
A ideia de que a divindade assume características refletidas naqueles que nela depositam fé, sugere uma espécie de simbiose entre o transcendental e o terreno. Cada indivíduo, ao construir sua compreensão de Deus, molda-o à sua própria imagem, atribuindo-lhe qualidades que ressoam com suas aspirações, valores e anseios mais profundos.
Essa reflexão nos leva a considerar o poder transformador da crença. Não apenas no sentido de influenciar a vida do crédulo, mas na capacidade de moldar e reinterpretar a divindade de acordo com as experiências e perspectivas individuais. Em um mundo onde a espiritualidade assume formas diversas, essa frase ressalta a subjetividade inerente à fé e como ela se torna um espelho das singularidades da alma humana.
Ao mesmo tempo, nos convoca à autorreflexão. Qual é a imagem de Deus que cultivamos em nossos corações? Como nossa visão do divino influencia nossas escolhas, relacionamentos e entendimento do propósito da vida? Essa indagação nos impulsiona a mergulhar nas profundezas de nossa própria espiritualidade, confrontando nossas concepções e reconhecendo a influência mútua entre o celestial e o humano.
Ao reconhecer que cada Deus é um reflexo daqueles que nele creem, somos incentivados a explorar a riqueza e a diversidade de experiências espirituais, promovendo um diálogo enriquecedor sobre as diferentes formas de compreender o sagrado neste vasto mosaico da existência humana.