* por Pedro Ítalo
Achar um goleiro que se profissionalizou e encerrou a carreira no mesmo time é missão quase impossível. A rotina dos atletas é defender muitos clubes e passar por muitas cidades.
Ser jogador de futebol no Brasil é sinônimo de viajante. O nosso vasto território já garante longos deslocamentos para as partidas durantes os torneios. Mas além disso, a forma como as equipes se equilibram financeiramente faz com que a rotação dos elencos seja altíssima.
Poucos jogadores de futebol brasileiro não sofreram com a falta de planejamento dos clubes, pouca estrutura, contratos ruins, acordos não cumpridos… E para se manter, às vezes, em um único ano, o atleta passa por até três ou quatro clubes num ano.
Isaias – o que escolheu Mossoró como casa
Entre idas e vindas, o futebol de Mossoró exportou e recebeu vários jogadores. Veja o caso do ex-goleiro Isaias. Ele teve durante a carreira profissional passagem por 16 clubes. Natural da cidade de Paulista-PE, iniciou a carreira no tradicional Santa Cruz/PE. Mas daí em diante jogou em times de 14 cidades em 6 estados.
Aqui no Rio Grande do Norte, Isaias defendeu: Baraúnas, Coríntians de Caicó (equipes onde foi campeão estadual), América, São Gonçalo, Assú, Santa Cruz e Alecrim. Na vizinha Paraíba, vestiu a camisa dos principais clubes: Treze, Campinense e Botafogo/PB.
Fora do Nordeste, o jogador foi até o Paraná e lá viveu uma das experiências mais difíceis da carreira, onde teve que se adaptar a cultura, mas principalmente ao frio da região sul do país.
“A experiência mais complicada que tive na carreira foi no Londrina, a adaptação ao frio é algo bem difícil de suportar, e acaba interferindo no desenvolvimento do trabalho. ”
Com tantas conquistas no currículo, Isaías destaca vários ambientes de trabalho que estão guardados no seu coração.
“Melhor ambiente que trabalhei, foram vários, seria até injusto citar apenas um. Destaco o Baraúnas, Treze, Santa Cruz-PE, Corintians de Caicó e Santa Cruz do Inharé.”
Por ser uma área bastante complexa e de alta rotatividade, é um ambiente difícil até para construir amizade entre os próprios atletas, muitas vezes os atletas destacam que existe a “trairagem”, seja por parte dos dirigentes ou por algum outro atleta. Nos vários clubes que teve a oportunidade de defender, Isaías é curto e direto quando o assunto é amizade.
“Conseguir construir amigos, mas são poucos!”
Para aguentar essa rotina, pressão, falta de estrutura, a família tem papel fundamental. De tantas cidades por onde jogou, Isaías criou raízes em Mossoró, formou sua família com uma mossoroense, e leva a cidade do Oeste Potiguar no coração.
“Para mim a família é meu tudo, em todos os momentos da minha carreira eles foram meu porto seguro, meu estímulo para seguir e buscar sempre o melhor, me superar, a perspectiva por dias melhores. ”
Érico – prata da casa que fez milagre
Outro grande jogador, que rodou por diversos clubes no Brasil, é o prata da casa Érico. Filho do ex-goleiro Vilberto, ele seguiu a profissão e a sina de ser goleiro. O jovem iniciou a caminhada no Potiguar de Mossoró, e logo começou as suas andanças por vários times. O mossoroense rodou por 10 cidades e 7 estados.
Érico, marcou o nome na história de diversos clubes. Um dos estados que o ex-goleiro é muito respeitado, é na Paraíba, mais precisamente em Campina Grande. Ele defendeu os dois grandes da cidade: Treze e Campinense.
O jogador ganhou destaque nacional quando teve a oportunidade de disputar a Copa do Brasil, no ano de 2005, com o alvinegro de Campina Grande. Com uma campanha histórica e na época a melhor de um time paraibano na competição, o Treze alcançou as quartas de final, sendo eliminado pelo Fluminense-RJ, nas penalidades.
“O Treze foi o melhor lugar que já trabalhei, por toda a história que construí lá, pelo respeito que o torcedor e os dirigentes tiveram comigo, a questão financeira, e pelas campanhas memoráveis que conseguimos vestindo a camisa do Galo.”
Mas o Brasil é muito grande para um jogador ficar por muito tempo no mesmo lugar, mesmo após o sucesso. Érico não parou, lembra com carinho de Sergipe.
“O Sergipe foi outro local muito bacana que trabalhei e consegui marcar meu nome por lá, sendo escolhido como o melhor goleiro no ano que estive em Aracaju”.
A expressão ‘santo de casa não faz milagre’ serve para explicar que muitos acabam não conseguindo destaque onde nasceu e cresceu. Mas nem foi o caso do goleiro mossoroense:
“O Baraúnas sempre foi especial dentro de campo, tinha um sonho de ser campeão jogando por um time da minha cidade, e foi no tricolor que consegui. Além disso consegui um acesso de campeonato brasileiro com o Baraúnas, e são coisas que ninguém apaga.”
Claro, que um goleiro ia tomar uns gols e bola nas costas. Érico teve dificuldade para enfrentar um adversário muito complicado: o frio do Paraná. E na lista de adversários mais estranhos também teve a energia elétrica e o urubu, mas não é do Flamengo que estamos falando.
“O lugar mais estranho que trabalhei foi na cidade de Barras-PI, falta de energia constante, urubu andando nas calçadas, como se fosse gato e cachorro, e a gente tinha que conviver com aquilo, até a culinária era estranha.”
Quando se trata de construir amizades no meio do futebol, Érico destaca que conseguiu fazer bons amigos durante sua trajetória.
“Minhas melhores amizades até hoje são com alguns goleiros que trabalhei e os preparadores que me acompanharam, não vou citar nomes para não ser injusto com ninguém.”
O arqueiro lembra com carinho de algumas histórias que viveu na sua época de atleta profissional, como as superstições do saudoso técnico Mauricio Simões.
“O professor Mauricio Simões não permitia que o motorista do ônibus engatasse a ré, quando o elenco estava dentro do veículo, uma vez a gente vinha chegando no estádio, e não tinha como seguir sem manobrar, Simões gritou “ô motor, dê seu jeito, mas não pode dar ré”. O motorista teve que ir por cima da calçada para conseguir entrar no estádio sem manobrar.”
A paz da Aposentadoria
Agora os dois ex-goleiros têm uma vida mais tranquila: de poucas viagens e quase nenhuma mudança. A rotina hoje é mais voltada para as famílias, que no fim das contas foram as raízes que eles construíram mesmo com uma profissão tão difícil.
Isaias decidiu morar em Mossoró por causa da esposa que nasceu na cidade. Hoje dá aula para crianças numa escolinha de futebol. Érico voltou para a cidade natal mesmo tendo passagens marcantes por diversos clubes do país. É aqui que moram os filhos.
“Eu sinto saudade de jogar sim… assistindo uma partida de futebol a gente vai lembrando o que viveu. Mas eu não sinto essa saudade de ter a obrigação profissional [de ficar viajando] que a gente tinha não”, afirmou Isaias.
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