Por Alexandre Fonseca
Francisco Edson Alves Brandão é o nome de batismo do Palhaço Consultinha. Edson vem de uma família tradicional circense, curiosamente nasceu em uma barraca de circo. Faz parte da 4ª geração e está criando a 5ª, com a inserção dos seus filhos no mundo dos espetáculos. A família Brandão foi a responsável por fundar o segmento artístico no estado do Ceará, o seu bisavô foi o primeiro a montar uma lona e levar a arte para as comunidades cearenses.
Por trás do nome Consultinha, está uma história bem característica do povo mais velho. A sua mãe, muito sábia quando o assunto era receitar remédios naturais para cura de doenças, foi apelidada pelo seu esposo de “farmácia”. Ela para revidar, o chamou de “receita”, surgia ali o Palhaço Receita. Mais tarde, com o nascimento de Edson, a mãe muito irreverente, decidiu chamar o filho de consultinha, que aos 04 anos de idade iniciava como ajudante dos pais. “Minha mãe disse assim: já que o pai é a receita, você vai ser a consulta”, lembra.
Brandão viveu uma época por Mossoró, em que quase se tornou jogador de futebol profissional do Potiguar. Nesse tempo, ele tinha um cabelo comprido e prometeu ao clube que só o cortaria, quando assinasse o contrato. No dia da assinatura, desistiu da decisão e voltou a trabalhar integralmente na profissão de artista que tanto ama. Também foi músico por um período, cantava e tocava em serestas, tudo com o objetivo de ter um plano B, mas, o apreço pelo circo foi maior.
Pandemia da COVID-19 e as dificuldades da vida circense
Quando a pandemia da COVID-19 eclodiu e as atividades pararam imediatamente, foi feito um planejamento administrativo com as finanças do circo, que conseguiu segurar o elenco por quase um ano, no entanto, ninguém esperava que o cenário pandêmico se estenderia. Aconteceu que os artistas decidiram voltar para as suas cidades de origem.
Com o passar dos anos, o número de artistas circenses foi diminuindo ou os que existiam, acabavam migrando para a ideia de possuírem as suas próprias estruturas e shows. Uma média de 50 pessoas fazia parte de uma equipe, hoje, num circo pequeno, os membros são compostos basicamente pelos parentes. É assim atualmente com o Circo Halley. “Antes da pandemia, a gente tinha umas 20 pessoas, hoje são apenas 10, só família dividindo as mais diversas funções”, pontua.
Sem shows e para driblar a falta de dinheiro, Edson foi condicionado a guardar o figurino de palhaço por um tempo e se tornou vendedor de ovos. Conversou com um amigo que o forneceu um número expressivo de bandejas, pegou o carro de propaganda e saiu pelas ruas anunciando.
A iniciativa estava dando certo até o momento em que outras pessoas começaram a vender também e com a concorrência alta, as vendas e os lucros diminuíram. Com a situação cada vez mais apertada, o povo foi a ajuda essencial que a família Brandão precisava. O circo recebeu doações de cestas básicas e ficou até responsável por distribuir alimentos para outros artistas, donativos esses que foram arrecadados em uma live feita pelo humorista e político Tiririca.
A ascensão do seu filho nos estudos
“Eu na minha época, estudei pouco por não ter muita oportunidade. Hoje tenho uma habilitação, sei ler e escrever, por vontade própria, fui atrás disso”, revela. “Nunca fui matriculado em uma escola, pois, ninguém aceitava um menino de circo e se aceitasse, era só como ouvinte. Não podia fazer as atividades como os outros alunos, não podia ser participativo”, relembra.
Diante das vivências marcantes que teve no passado, o artista queria uma experiência educacional diferente para seus filhos. A sua filha caçula, Kawanny Brandão, aos 03 anos de idade já despertou o interesse pelos estudos. E o mais velho, Kawa Brandão, 15 anos, está matriculado na rede municipal de ensino de Icapuí/CE, com respaldo da Lei Federal 3543/12, do deputado Tiririca (PR-SP), que garante a obrigatoriedade dos institutos educacionais públicos ou privados, a aceitarem o aluno circense no quadro de aprendizagem. A Comissão de Educação e Cultura aprovou a medida em 2012, válida para crianças e adolescentes de 04 a 17 anos. “Teve caso de precisar chamar o Conselho Tutelar e a polícia, pelo fato da diretoria não querer matricular o meu filho, fui atrás dos meus direitos e ganhei”, conta.
Quando a pandemia obrigou a família Brandão, a permanecer em um único local de Icapuí/CE, por um longo período, Kawa já estava matriculado no 9º ano na Escola Professora Carlota Tavares de Holanda. Frequentou uma semana e logo em seguida, iniciaram as aulas remotas. Provas, trabalhos, tudo feito pelo celular. Ao retornar com a modalidade de aulas presenciais, o Circo Halley já estava distante da escola e ao procurar fazer a transferência do seu filho, Edson foi chamado no cantinho por profissionais da instituição. “O diretor e a coordenadora tiveram uma longa conversa comigo, pediram para eu não o tirar do colégio, quando ficamos mais distante. Estou fazendo esse esforço, permanecendo o mais próximo possível, nas comunidades, nos lugares pequenos, para ele terminar. O diretor me contou que não esperava que o Kawa fosse acompanhar e ficou muito feliz pelo desempenho dele. O que me fez perceber que uma das coisas mais importantes que temos hoje, é a educação”, conta orgulhoso.
Kawa é um dos principais artistas do Circo Halley, apesar de ser um garoto tímido, quando está se apresentando ele atua em várias frentes. É malabarista, equilibrista, faz uma parte de magia, é DJ, executa a iluminação e entra com os palhaços.
Tem uma rotina puxada. “O espetáculo aqui acaba 23h e eu tenho que acordar 5h da manhã, só acho mais difícil quando a gente muda de escola, perco conteúdo, mas assim a gente vai indo. Quando eu perco algum conteúdo, estudo bem muito pra tentar acompanhar”, explica Kawa. O estudante circense todos os dias enfrente cerca de 100 km, de casa até a sala de aula. Tanta determinação vem se convertendo em ótimos resultados. O rapaz estudioso, dedicado, conquistou o título de 2º melhor aluno da região. “Eu me sinto muito orgulhoso, me esforcei tanto pra isso. Trabalhei muito pra ficar em 2º lugar e acabou dando certo”, comemora.
Além do pai Edson, Kawa tem apoio da mãe Maria de Fátima Paz. “Pros estudos dele, a gente sempre dá um jeito. Sempre pego no pé dele. Sempre digo que tem a hora de estudar e a hora de brincar. E se Deus quiser, ele já vai para o 1º ano do ensino médio. Estou cheia de orgulho pela conquista dele, principalmente pelo que a gente vive, essa vida de circo”, conta Fátima.
Não importando as adversidades que a família Brandão enfrenta e enfrentará pelo caminho, para eles, a união estabelecida, o apoio mútuo e a felicidade que levam para o público com a arte circense, é suficiente.
Todos relatam que a vida no circo é o que querem para o futuro e não pensam em mudar. “A vida de circo pra mim é tudo. Minha casa é o circo, nasci no circo e vou morrer no circo. O circo pra mim é tudo!”, finaliza Edson.
A história do Circo Halley – O Circo do Palhaço Consultinha, será contada em breve, no documentário “Circo: do sonho à realidade”, produzido pela produtora independente VIXE! Cinearte, coletivo audiovisual de Icapuí/CE.
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