Desde criança Maria Auxiliadora da Silva Maia, ou apenas Dodora, carregava consigo o sentimento de que a vida era um eterno lutar pelo que se acredita. Foi esse o propósito que fez com que a apodiense iniciasse há mais de 40 anos uma causa pela defesa da preservação do Lajedo de Soledade, sítio arqueológico localizado em Apodi/RN.
Dodora conta que conheceu o Lajedo na década de 60, durante uma excursão da escola. Se encantou de cara por aquelas pedras pintadas, mesmo sem entender o que elas de fato representavam. “Conheci o Lajedo através do padre Pedro Nerds, holandês, que aqui chegou em 1965 e foi o principal motivador da juventude, na busca do conhecimento. Ele falou dos chamados “letreiros” (que eram as pinturas rupestres) do Lajedo e organizava “passeios”(excursão) com os alunos da escola que eu estudava. Foi paixão repentina”, conta Dodora ou TCM Notícia.
Os anos se passaram, Dodora cresceu, se tornou professora, mas nunca se distanciou do Lajedo. Impressionada com a estrutura rochosa e as pinturas milenares sem nenhuma proteção, ela decidiu, em 1978, lutar pela preservação da história daquela terra. Foram 12 anos batalhando de forma solitária, enfrentando tanto a falta de apoio da população, como as ameaças dos donos de caieiras que viam o lugar apenas como fonte de dinheiro através da exploração do calcário.
“Em 1974 passei a ser professora do Estado e 1978 iniciei a defesa pela preservação do Lajedo. Sem nenhuma ajuda, custeava qualquer despesa com o meu salário de professora. Assim passei 12 anos numa luta solitária, indo nas cadeiras, fazendo reuniões, falando com as pessoas pra não quebrarem as pedras com pinturas rupestres, pois eram importantes para a história. Recebia ameaças, mas não desistia. A sala de aula era o púlpito da minha pregação, apenas os meus alunos me apoiavam, as demais pessoas sentiam pena”, relembra.
Ainda em 78 a professora resolveu fazer cartões postais do Lajedo para vender. Na época, para custear a produção dos 30 mil cartões, Dodora precisou se desfazer do seu Chevette.
Foi só no início dos anos 90 que a professora ganhou de fato apoio na preservação do sítio. A Petrobras conheceu a história do Lajedo, procurou a professora, e iniciou uma parceria com ela. Uma equipe de apoio foi enviada pela estatal e os trabalhos de conservação foram intensificados.
“Fizemos reuniões e dai começaram a limpeza das áreas, com delimitação do sítio arqueológico, treinamento de guias e cata de fósseis ou artefatos. Em seguida a Petrobras financiou a construção do Museu, cercas nas áreas das pinturas, fardamento para os guias, divulgação nos meios de comunicação e assim começamos a proposta turística”, diz Dodora.
Hoje, aos 72 anos, a professora fala com orgulho do resultado da sua batalha. Quando pisou pela primeira vez nas rochas do Lajedo, Dodora não fazia ideia do quão importante seu trabalho seria para manter uma história de milhões de anos viva. Atualmente o sítio arqueológico recebe por mês uma média de 700 visitantes, onde 90% são estudantes e professores.
Para ela, durante todo esse tempo, a falta de apoio dos seus próprios conterrâneos a marcou tanto quanto o reconhecimento de quem sabe a importância do Lajedo. “O que mais me marcou foi a falta de apoio que tive em Apodi e depois o reconhecimento de que a minha luta salvou um importante sitio arqueológico que estava virando pedra. A arqueóloga Gabriela Martin Ávila veio visitar o Lajedo e me dando um abraço agradeceu a mim por ter salvo o Lajedo, que foi a parte mais difícil da luta”, fala Maria Auxiliadora.
O reconhecimento foi eternizado nas pedras. Uma das grutas foi batizada de Rapina Dodora, em homenagem a força da professora que transformou a preservação do Lajedo em sua missão de vida. Dodora já recebeu diversos outros reconhecimentos, além de prêmios em outros estados, como Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.
Apesar dos méritos, a maior conquista segue sendo ter conseguido impedir a destruição da sítio. Depois de tantos anos, a motivação para continuar a luta segue sendo a mesma: “a convicção de que é extremamente necessário preservar a história que não construímos e por isso não destruir o que sobra, mas construir o que falta”.
Com a idade avançada, hoje ela enfrenta dificuldade para caminhar entre as rochas do Lajedo. Por mais que um dia não consiga mais ir até lá, o legado da jovem Dodora vai continuar existindo e resistindo ao tempo, forte como as pedras que guardam uma parte da história da humanidade.
“O Lajedo representa pra mim a Vitória da persistência e a minha contribuição na preservação da história. Iniciei a minha luta sem ter noção de que estava preservando um patrimônio histórico tão importante. Gastei os melhores anos da minha vida, mas estou feliz”, afirma Dodora.
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