Em uma pequena cidade litorânea do Rio Grande do Norte, um jovem de 18 anos está transformando o futuro da pesca artesanal e da conservação ambiental. Gabriel Melo, estudante do terceiro ano do ensino médio, acaba de vencer a etapa nacional do Prêmio Jovem da Água de Estocolmo (Stockholm Junior Water Prize), um dos prêmios mais prestigiados do mundo para jovens cientistas que desenvolvem soluções inovadoras para desafios relacionados à água e ao meio ambiente.
Com um projeto que une sustentabilidade, ciência e impacto comunitário, Gabriel, estudante de escola pública, criou um pesqueiro sustentável feito de algaroba, uma planta exótica abundante no semiárido nordestino, para substituir equipamentos poluentes usados na pesca de lagosta. Agora, ele se prepara para representar o Brasil na final internacional, durante a Semana Mundial da Água, em Estocolmo, Suécia, em agosto de 2025.
Problema local, impacto global
Gabriel cresceu em Porto do Mangue, uma cidade de cerca de 6 mil habitantes onde a pesca é a principal atividade econômica. Observando a realidade dos pescadores locais, incluindo seus próprios familiares, ele identificou um problema grave: os equipamentos tradicionais usados para capturar lagostas, como tonéis de metal, pneus e carcaças de carros, geram enorme poluição marinha. “Cada embarcação usa de 200 a 600 desses equipamentos por ano, e em uma comunidade com 36 embarcações, o impacto no fundo do mar é gigantesco”, explica Gabriel. Esses materiais, muitas vezes contaminados por óleo ou gasolina, prejudicam a qualidade da água, afetam a saúde das espécies marinhas e contribuem para a degradação dos ecossistemas costeiros.
Conversando com seu avô, um pescador aposentado, Gabriel descobriu outro desafio: o alto custo financeiro desses equipamentos, que oferecem baixo retorno econômico. “Meus tios, que são pescadores, investem muito e lucram pouco. Percebi que precisava encontrar uma solução que fosse sustentável e economicamente viável”, conta. Foi então que ele voltou seus olhos para a algaroba, uma árvore exótica que, apesar de ser uma ameaça ambiental em terra firme, tornou-se a chave para sua inovação.
A algaroba, também conhecida como Prosopis juliflora, foi introduzida no Brasil a partir do Peru e é considerada invasora no semiárido nordestino. Sua rápida proliferação e adaptação a ambientes secos têm causado impactos negativos na vegetação nativa e na biodiversidade. As raízes profundas e a rápida proliferação ameaçam espécies nativas e até mesmo pontos turísticos, como as Dunas do Rosado, em Porto do Mangue.
Gabriel viu nesse problema uma oportunidade: transformar a algaroba em um recurso para criar pesqueiros 100% biodegradáveis, que não apenas reduzem a poluição marinha, mas também respeitam o ciclo reprodutivo das lagostas. Essa forma de pesca assegura que as populações de lagosta possam se reproduzir e prosperar, garantindo um futuro saudável para os oceanos.



Quando a ciência caminha de mãos dadas com a comunidade
O projeto de Gabriel, iniciado em 2023 durante uma feira de ciências escolar, foi desenvolvido com apoio do Instituto de Defesa do Meio Ambiente (Idema) e de biólogos marinhos. Ele criou um protótipo de pesqueiro feito de madeira de algaroba, substituindo pregos de metal por pinos da mesma madeira e cordas de barbante por fibras naturais da casca da planta. “Queria que fosse 100% sustentável, sem nenhum material que pudesse poluir o mar”, diz.


Os testes realizados com pescadores, incluindo seus próprios tios, comprovaram a eficácia do pesqueiro. Após 27 dias no mar, o equipamento capturou 1.460 lagostas de tamanho médio e grande, respeitando as normas do Ibama, que proíbem a captura de lagostas juvenis. Além disso, o pesqueiro sustentável custa entre R$10 e R$15, uma redução de até 92% em relação aos R$75 a R$138 dos equipamentos tradicionais. Após um período entre 6 e 10 meses, o pesqueiro se degrada naturalmente, servindo como substrato para recifes de corais e fertilizante para o solo marinho, promovendo a regeneração do ecossistema.
A aceitação inicial dos pescadores foi um desafio. “Eles tinham receio de compartilhar informações, porque a pesca de lagosta muitas vezes é feita de forma irregular, e temiam represálias do Ibama”, explica Gabriel. Para superar isso, ele envolveu sua família no processo, convidando-os a participar da construção e dos testes. O fato de o jovem cientista possuir esse vínculo profundo com suas raízes, aliado à sua determinação, foi fundamental para engajar os pescadores locais no desenvolvimento do seu projeto. “Quando os pescadores da comunidade viam meus tios usando o pesqueiro sustentável, começaram a se interessar. Hoje, alguns já estão produzindo seus próprios pesqueiros”, comemora.




Conhecimento que gera transformação
O projeto de Gabriel garante sua relevância científica ao tocar questões como sustentabilidade e justiça social. A pesca de lagosta no Brasil enfrenta regulamentações rigorosas do Ibama, incluindo um período de defeso de seis meses para a reprodução das lagostas e a proibição da captura de exemplares juvenis. No entanto, muitos pescadores ainda utilizam equipamentos inadequados e capturam lagostas fora dos padrões legais, o que ameaça a sustentabilidade da espécie e do ecossistema marinho.
Em fevereiro de 2025, aconteceu a maior apreensão de armadilhas para lagostas no Brasil, milhares de marambaias — como são popularmente chamadas — foram confiscadas em Acaraú (CE), prevenindo a captura ilegal de 300 toneladas de lagostas antes do fim do período de defeso, quando a captura é considerada ilegal.
O pesqueiro de Gabriel, ao capturar apenas lagostas de tamanho médio e grande, está em conformidade com a legislação e promove a preservação da espécie. Cada um desses detalhes foi pensado pelo jovem para garantir a sustentabilidade enquanto contribui para o desenvolvimento da coletividade.
Com custos drasticamente reduzidos, os pescadores podem aumentar sua margem de lucro, ao mesmo tempo em que contribuem para a conservação ambiental. A iniciativa também valoriza o conhecimento local, ao envolver a comunidade no desenvolvimento e na implementação da solução. “Muitos falam de ciência, mas eu vivo a ciência. É diferente você falar e você viver.”, afirma Gabriel.
Recentemente, o jovem se reuniu com representantes do Comitê de Gestão da Lagosta (CPG Lagosta) e do Idema, com o objetivo de regulamentar o uso dos pesqueiros sustentáveis como uma prática obrigatória. “Queremos transformar isso em lei, para que todos os pescadores adotem essa solução e a pesca de lagosta no Brasil se torne um modelo de sustentabilidade”, diz.
Representando o Brasil na Suécia
A aprovação na etapa nacional do Stockholm Junior Water Prize, realizada no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) no Rio de Janeiro, garantiu a Gabriel a oportunidade de representar o Brasil na final internacional, que ocorrerá durante a Semana Mundial da Água, em Estocolmo, entre 24 e 28 de agosto de 2025. Organizado pelo Stockholm International Water Institute (SIWI) e apoiado por instituições como a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) e a Câmara de Comércio Brasil-Suécia, o prêmio atrai milhares de jovens de cerca de 40 países, que competem com projetos voltados para a gestão da água, proteção ambiental e sustentabilidade.
Quando retornou do Rio, Gabriel foi recepcionado tanto no avião quanto em casa, com a comunidade em festa por sua conquista. Agora, ele vai representar o Brasil, levando a ciência brasileira, desenvolvida por jovens cientistas, ao mundo.
Na Suécia, Gabriel concorrerá ao prêmio principal, que inclui uma bolsa de US$15.000 e uma escultura de cristal, e também ao People’s Choice Award, um prêmio decidido por votação popular global. Em 2024, o Brasil venceu essa categoria com 450 mil votos, e Gabriel está mobilizando esforços para repetir o feito. “Eu serei o único a representar o Brasil, levo nos braços 27 estados.”, diz, entusiasmado.
Para alcançar um grande volume de votos, Gabriel planeja usar as redes sociais como principal ferramenta de engajamento. Ele já enviou e-mails para cientistas e influenciadores digitais, buscando apoio para divulgar seu projeto. “A votação acontece pelo celular, é só usar o e-mail. Se conseguirmos o apoio de pessoas influentes, como artistas e jornalistas, podemos alcançar muitas pessoas”, explica. Ele também cita a estratégia de um colega que, no ano anterior, espalhou cartazes pela cidade e apareceu em programas de TV, como a Rede Globo, para promover sua campanha.


Ciência cidadã transforma realidades
O projeto de Gabriel é um exemplo catalisador que contribui para o fortalecimento da ciência cidadã, provando que é possível enfrentar desafios globais a partir de soluções locais. A pesca artesanal no Brasil, embora essencial para a subsistência de milhares de famílias, enfrenta problemas crônicos, como a falta de regulamentação eficaz, a poluição marinha e a pressão econômica sobre os pescadores. Iniciativas como a de Gabriel mostram que é possível alinhar desenvolvimento econômico, conservação ambiental e justiça social, contribuindo para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, especialmente os ODS 14 (Vida na Água) e 12 (Produção e Consumo Sustentáveis).
Além disso, o projeto destaca a importância de engajar as novas gerações na busca por soluções para as mudanças climáticas. A Semana Mundial da Água, onde Gabriel apresentará seu trabalho, é um evento que reúne líderes globais para discutir a gestão hídrica em um contexto de crise climática. A participação dos jovens reforça a necessidade de incluir vozes diversas, especialmente de comunidades diretamente afetadas por problemas ambientais, nas discussões globais.
A produção de lagostas no Brasil é uma atividade de grande importância, especialmente para as comunidades costeiras do Nordeste. O país, com sua extensa costa atlântica, é um dos principais produtores mundiais desse crustáceo, conhecido por sua alta qualidade e demanda no mercado internacional.
A pesca de lagosta se concentra principalmente nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco, que abrigam as maiores áreas de captura e processamento.
























































