Não há nada como o tempero das nossas mães. O sabor da comida que elas preparam é inconfundível, e não se encontra nem nos restaurantes mais caros. O tempero ao qual me refiro se trata de um ingrediente presente na cozinha de todas as mães, das cozinheiras de mão cheia, e também daquelas que não gostam ou não sabem cozinhar: a diferença é o amor e o cuidado que só elas têm.
Na casa de Filomena Maria Lopes Martins, ou apenas Filó, esse ingrediente é o único que nunca falta na despensa. Do portão da entrada já pra sentir o cheirinho de bolo assando. Formas untadas e empilhadas, prontas para receber a massa que Filó bate enquanto pergunto sobre a rotina de trabalho. Não há um dia que o forno não seja usado. Aos 50, quase 51 anos, a boleira vende doces e salgados, atua como professora, cuida da casa, dos quatro filhos de sangue e de todos os outros que ela acolhe e trata como seus, por mais que não sejam.
A história dessa mãe começou ainda na Paraíba, em Santa Cruz, sua cidade natal. Quando era adolescente, por volta de 1986, os pais agricultores decidiram vir para o Rio Grande do Norte em busca de melhores oportunidades. Assim como tantas outras pessoas que tiveram sua origem na agricultura, Filó e seus oito irmãos, cresceram se dividindo entre o plantio e os estudos. Cerca de 12km separavam a escola, no município de Umarizal/RN, da casa onde moravam no Sítio Pitombeira. A distância foi percorrida todos os dias de bicicleta, até a conclusão do ensino médio.
Determinação e paciência nunca faltaram na vida de Filomena Maria, e foram essenciais para que ela conseguisse fazer magistério e se tornar professora, ao mesmo tempo em que dava início ao casamento com Edvan Oliveira, e se tornava mãe de Thayrone, Talisson, Talita e Lucas, respectivamente. Em 1998, Filó e o marido resolveram mudar com os filhos para a zona urbana, para morarem inicialmente numa residência dos pais de Edvan. Foi ainda na década de 90 que nasceu o sonho da boleira de ter sua casa própria.
Com uma família tão grande, o salário de professora de ensino fundamental não era o suficiente para pagar por um imóvel que coubesse todo mundo de forma confortável, era preciso buscar uma renda extra para completar o orçamento. Como aprendeu a cozinhar cedo, e gostava de fazer bolo, teve a ideia de começar a vender bolos caseiros para ajudar nas despesas da família. Foi assim que o desejo da casa própria se tornou real, e que tantas outras coisas foram conquistadas por Filó.
“É o gostar de fazer. Mas também é o fazer por necessidade, é um completo no salário. Nós temos filhos estudando, então a gente faz o complemento para as despesas mensais”, explica Filomena Maria.
A rotina é cansativa. Cozinha batata, sova massa, tira formas do forno. Enquanto me explica que só aos sábados são cerca de 50 bolos assados, as roupas estendidas no varal secam no sol quente das 10h. Típica mãe brasileira, por mais que tenha ensinado aos filhos os afazeres domésticos, carrega nas costas a manutenção do lar.
A ideia de Filó das vendas cresceu, e foi assim que nasceu a Dona Filó, Bolos e Salgados . Um negócio que carrega o nome de uma matriarca, mas que envolve toda a família: as irmãs, os sobrinhos, e principalmente os filhos, que aprenderem de tudo um pouco com a mãe. “Aqui eles ajudam em tudo. É no fazer de um recheio, é nas entregas, se eles estiverem em casa, estão ajudando. Eles se envolvem totalmente e é muito gratificante ver eles trabalhando, me ajudando. Porque eles sabem que é em prol de todos”, diz a empreendedora.
Para uma mãe, não existe uma emoção maior do que o reconhecimento dos filhos. Foi com os olhos cheios de lágrimas que Filó viu seu esforço diário valer a pena. Em março deste ano, o filho mais velho, Thayrone, concluiu a faculdade de Direito. O curso sonhado por tantos anos só foi possível graças ao trabalho da mãe. O dinheiro tirado das vendas dos bolos pagou cada uma das mensalidades durante os cinco anos.
“Em 2018, eu estava numa fase complicada, queria muito cursar Direito. Ela disse que eu viesse para Mossoró, que ela faria de tudo para realizar esse meu sonho. Passei por muita coisa durante o curso, e ela foi a maior incentivadora para que eu continuasse na luta, na batalha”, conta Thayrone Oliveira.
Quando estava na reta final, se preparando para o baile de formatura, Thayrone buscou um jeito de homenagear Filomena Maria no momento especial. Desceu as escadas vestido com toca e avental, e segurando uma tigela e um fuê de bolo. “A homenagem que fiz foi uma demonstração de gratidão pela vida dela, e por tudo que ela representa em minha jornada. Minha graduação veio do bolo, da massa batida por ela, do suor, do amor, do trabalho cansativo de Filó. Sou muito grato, e espero poder retribuir tudo que ela fez e faz por mim. A minha formatura é mais dela do que minha”, diz o advogado.
A cena nunca vai ser apagada da memória de Filó, que se emociona sempre que lembra daquele dia, e sempre que fala dos filhos durante nossa conversa. Enquanto preenche as formas com a massa, pergunto se alguma vez a receita desandou, ou se alguma fornada já chegou a queimar. Ela confirma balançando a cabeça e rindo. Alguns erros fazem parte do dia a dia, é assim na cozinha, é assim sendo mãe. Seja uma de primeira viagem, seja como Filó, com quatro filhos, a única certeza da maternidade são os tropeços no meio do caminho. Por isso, talvez, uma das partes mais difíceis nessa grande missão de procriar e criar seja a tentativa incessante de proteger os filhos, independente da idade.
“Para a mãe eles nunca crescem, eles são sempre pequenos. Você quer saber onde está, o que está fazendo, com quem está. Quer saber que horas acorda, se já estão todos dormindo. A preocupação nunca deixa a gente”, fala Filó. “É que nem bolo então, tem que estar de vez em quando olhando o forno?”, questiono. “É. É como um bolo. De cinco em cinco minutos você tem que olhar, porque quando você olha não está bom. Mas quando você se vira, com dois minutos ele já pode estar assado demais. É um cuidado constante”, responde ela.
Terminamos nossa conversa com ela me dizendo que ser mãe é um sentimento que só quem é, consegue entender o que ela tenta me explicar. Assim como na chegada, na despedida, ela me pergunta se estou com fome, e se quero algo para comer. “Um pãozinho, uma fatia de bolo?”, daquele jeito cuidadoso, daquele jeito de mãe.
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