Por mais que se tente, ninguém é capaz de explicar quanta dor e angústia cabem em 365 dias. Só quem carrega esses sentimentos consigo sabe o que é viver dia após dia com eles. É isso que Lizandra, seus pais Eliel e Vânia, e dezenas de parentes e amigos do mossoroense Eliel Ferreira Cavalcante Júnior enfrentam desde o dia 09 de abril de 2022. Há um ano do crime que tirou a vida do advogado, a família segue ansiando por justiça.
Tranquilo, educado, respeitoso, e um pouco tímido. É assim que Lizandra Cavalcante lembra do irmão. Mesmo sendo tão diferentes, eram a companhia um do outro e partilhavam o mesmo gosto pelo Direito. Um tipo de amor partilhado na ausência de palavras, mas preenchido pela presença, igual a brincadeira no balanço do parquinho que foram despois de crescidos: apenas o barulho do vai e vem das correntes e a união dos dois.
“Ele sempre gostou mais de ficar em casa, adorava jogar no computador e frequentar eventos nerds. Como irmãos, nunca fomos confidentes, ele era mais fechado. Mas, eu sempre tentava puxar conversa com ele. Ele me ajudava a tirar dúvidas sobre a faculdade, mesmo ele estando em períodos a menos que eu. A opinião masculina sobre um cabelo, roupa, era sempre dele”, relembra Lizandra.
Da noite daquele domingo em que perdeu o irmão, ela só guarda alguns flashs na memória. Prefere não lembrar dos detalhes daquele “momento de terror”, como se refere.
RELEMBRE O CASO E SEUS DESOBRAMENTOS
O Caso Eliel foi um dos primeiros a ser acompanhado pelo Portal TCM Notícia. Quando a notícia sobre o homicídio que aconteceu no Bairro Boa Vista foi publicada pela primeira vez, não se sabia a repercussão que o crime teria.
Na noite do dia 09 de abril, Eliel, de 25 anos, estava conversando com o namorado na calçada do condomínio onde ele morava, quando ambos estranharam a aproximação de homens, identificados posteriormente como os acusados do crime: Ialamy Gonzaga, autor dos disparos, e Francisco de Assis Ferreira da Silva e Josembergue Alexandre da Silva.
Segundo o depoimento do companheiro de Eliel, os dois homens teriam dado um sinal para Ialamy, que se aproximou e deu dois disparos. As vítimas correram para lados opostos, e Ialamy seguiu Eliel que acabou sendo contido por um morador, que teria confundido o jovem com um assaltante. Com a vítima detida, Ialamy se aproximou e deu mais disparos, executando Eliel com nove tiros.
Com os suspeitos do homicídios desaparecidos, a polícia deu início às investigações. No dia 13 de abril de 2022, um novo fato do caso foi relevado. Após depoimento do namorado de Eliel, a defesa dele afirmou que o homicídio teria sido motivado por homofobia. Já no dia 25 de abril, Ialamy Gonzaga se entregou à polícia, onde negou ter cometido crime de homofobia e afirmou ter matado Eliel por engano, após confundi-lo com um assaltante.
Em maio de 2022 a polícia prendeu os outros dois suspeitos de envolvimento no crime, concluiu as investigações e o caso foi enviado para o poder judiciário. Na denúncia oferecida pelo Ministério Público, os acusados foram indiciados por crime hediondo, com duas qualificadoras: motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima. Na denúncia, no entanto, a versão que incluía homofobia como motivação foi descartada, de acordo com a justiça, por falta de provas.
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A ESPERA POR JUSTIÇA É A PENA DA FAMÍLIA
O passar do tempo não é capaz de amenizar a saudade que Lizandra e sua família sentem de Eliel. Mas além da dor da ausência, as brechas e a demora da justiça brasileira são pesos que causam revolta e a atormentam.
Para ela, o fato de os acusados não terem sido indiciados por homofobia ainda é difícil de ser aceito. Lizandra Cavalcante se diz incrédula com a versão de Ialamy, onde ele alega ter agido em legítima defesa após confundir Eliel e o companheiro com assaltantes.
“O que levaria o réu a pensar tal coisa? Qual o problema em dois rapazes conversarem em frente a casa onde um dos dois moram? Nenhum dos dois estavam armados, nenhum dos dois realizaram movimentos suspeitos. Eram apenas dois jovens homossexuais conversando em uma calçada. O companheiro do meu irmão era vizinho do réu e meu irmão sempre frequentava a casa do companheiro. Como dizer que nunca tinha visto o vizinho que mora quase em frente?”, questiona a advogada.
Segundo Lizandra, a alegação do réu de ter confundido as vítimas com criminosos se trata de uma jogada jurídica para amenizar a situação dele.
“Não sabemos qual foi a motivação de um crime tão cruel, mas sabemos que existiu muito ódio nele”, diz a irmã de Eliel.
Há um ano, ela, a família e os amigos do advogado travaram uma batalha para honrar a memória dele. A busca por justiça é o que os motiva, mas também, o que causa ainda mais dor, e principalmente angústia.
“Eu, como irmã da vítima e como advogada digo com propriedade que a justiça do Brasil é falha, fraca e sempre favorece o réu. É decepcionante sentir na pele que a justiça só funciona para quem tem dinheiro ou poder. O Direito e a justiça são lentos, dão muitas brechas, e são totalmente pró réu. A dor de uma família não espera, não passa. Para piorar, a família precisa suplicar, implorar para que a justiça seja feita”, desabafa Lizandra.
A EXPECTATIVA PELO JULGAMENTO
O Caso Eliel teve a denúncia acatada pela Justiça em setembro de 2022. Nos últimos meses o processo esteve na fase de recursos, onde a defesa dos acusados tentou, por exemplo, um pedido de soltura do réu, que foi indeferido. Natã Xavier, advogado assistente da acusação, afirma que se a defesa não entrar com mais recursos, o caso volta para o primeiro grau, e se aproxima do julgamento.
“Acredito que esse ano ainda vai existir o tribunal do júri. É normal [a demora], está até ágil porque o juiz e a 1ª Vara Criminal são ágeis. Estamos bem assistidos por essa vara”, afirma Natã Xavier.
Diante das provas testemunhais e materiais, a 1ª Vara Criminal de Mossoró decidiu mandar os acusados, Ialamy Gonzaga, Francisco de Assis Ferreira da Silva, e Josembergue Alexandre da Silva, a júri popular.
O julgamento deve contar com o depoimento de Lucas Emanuel, namorado de Eliel, que também processa Ialamy Gonzaga por tentativa de homicídio. Desde o crime, Lucas nunca concedeu entrevista para nenhum veículo para falar sobre o caso. O TCM Notícia tentou contato com a vítima, mas, segundo seu advogado Edson Lobão, ele segue sem falar publicamente. “Ainda tem muito medo. Ainda teme pela própria vida”, disse Edson Lobão ao TCM Notícia.
Já Natã Xavier se diz positivo em relação ao julgamento. Ele acredita que os réus serão condenados, com as qualificadoras (que podem influenciar na pena), e que receberam penalidade máxima. “Acredito em Mossoró, acredito na justiça de Mossoró e nos cidadãos de Mossoró. Acredito que será a pena máxima e as qualificadoras. Ele vai ser condenado”, diz o advogado.
Essa também é a expectativa de Lizandra Cavalcante, por mais desacreditada na justiça que esteja. “Nenhuma pena será suficiente para que os réus paguem pelo crime. Infelizmente, a justiça não é justa. Esperamos que todos peguem a pena máxima pelo crime, mas também somos cientes das brechas da justiças e que logo estarão em liberdade como muitos outros”, lamenta.
Lizandra nunca imaginou que algo desse tipo pudesse acontecer com a sua família. Independente do resultado, para ela, dor, impunidade e injustiça são sentimentos que nunca mais deixarão de existir em sua casa. Mesmo com o cansaço e a dor que chegam a desanimar muitas vezes, ela, os pais e amigos de Eliel resistente. No instagram @casoeliel, eles se revezam para contar quem era aquele jovem de 25 anos cheio de planos e sonhos e porquê a memória dele não deve ser apagada.
“Nossas vidas perderam o brilho que tinham. Talvez seja difícil entender. Talvez cada um de vocês só entendesse se passasse pelo que minha família ou milhares de outras famílias passaram. Eu e minha família continuamos lutando, cansados, mas lutando, resistindo, sobrevivendo a tudo que passamos e ainda vamos passar. O que desejamos com essa luta é justiça e que cada vez menos esse tipo de coisa aconteça”, afirma Lizandra Cavalcante.
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