Por Thífanny Alves e Moisés Albuquerque
Dona Edna Maria, autônoma de 46 anos, acordou cedo no domingo 30 de outubro, dia de eleição. Preparou o café, arrumou a casa e deixou tudo pronto antes de sair para a missão do dia: decidir o futuro do País. Uma semana atrás ela ainda estava em dúvida sobre como conseguiria cumprir com o dever do voto pelo fato de não ter transporte próprio para seguir até o colégio eleitoral. Mas o desfecho de uma audiência convocada pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte garantiu a presença de Edna e de outras centenas de eleitores mossoroenses na festa da democracia. Com tudo pronto, ela se despediu do fiel companheiro – seu cachorro, e saiu de casa às 9h para o ponto de ônibus. Neste segundo turno, o transporte público foi gratuito.
Pouco mais de seis quilômetros separam a casa dela, no Bairro Sumaré, em Mossoró(RN), do seu local de votação, na Escola de Artes, no Bairro Bom Jardim. Uma distância que poderia ser percorrida em 15 minutos de carro, isso se ter um veículo na garagem fosse a realidade vivida pela autônoma. No primeiro turno, Edna conseguiu uma carona para ir votar.
Dez dias antes do segundo turno, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que prefeituras e empresas de ônibus poderiam oferecer transporte público gratuito aos eleitores, como forma de incentivar os cidadãos a irem votar. Ofertar ou não o serviço de graça ficaria a cargo de cada chefe de executivo.
Foi compreendendo a importância da gratuidade como forma de garantir o exercício do direito dos eleitores que a 2ª Promotoria de Justiça de Mossoró, com atribuição na defesa da cidadania, decidiu se reunir com a Prefeitura do município para que a tarifa zero pudesse ser adotada no segundo maior colégio eleitoral do RN.
Após ser provocada via e-mail por um representante do Legislativo Municipal, a promotora Ana Ximenes analisou como o Ministério Público poderia atuar em favor dos cidadãos para ter a gratuidade do transporte. Como a recomendação do STF tornava facultativa a decisão da oferta, a promotora decidiu fazer uma atuação resolutiva para conversar com o município.
“A gente pode abrir o diálogo democrático com os poderes constituídos e as autoridades, e solicitar. E foi isso que a gente fez. Nós entramos em contato com o gabinete do prefeito, ele nos atendeu no mesmo dia. Marcou na Prefeitura e eu me dirigi até lá”, diz Ana Ximenes.
A promotora conta que a reunião com a Prefeitura de Mossoró foi saudável, rápida e objetiva. O MP falou em nome do interesse da população para ter o transporte gratuito e assim garantir a ida dos eleitores às urnas.
“O Ministério Público é uma instituição de estado que tem um lugar de fala relevantíssimo na democracia. Nós somos incumbidos pela constituição de 88 de sermos os guardiões do regime democrático. Então, todas as questões que pertinem à acessibilizar o voto, tornar o voto mais barato, mais fácil para todo mundo, são questões que podem e devem ser intermediadas pelo Ministério Público”, destaca a promotora.
De acordo com dados da empresa Cidade do Sol, responsável pelo transporte público em Mossoró, em maio deste ano 87.334 pessoas utilizaram os ônibus para se locomover. O serviço que hoje atende mais de 30 regiões e localidades do município é essencial principalmente para quem trabalha e estuda longe de casa, e para quem mora em bairros mais periféricos e precisa se deslocar até o Centro, como é o caso de Edna.
É das faxinas na casa de famílias e de outros bicos que ela tira o sustento. Ao saber da gratuidade do transporte pela televisão, ela sentiu o alívio pela economia que teria. Um valor que na carteira de muitos talvez não fizesse falta, mas na de quem tira o dinheiro do próprio suor, faz toda a diferença.
“Eu gostei muito, porque tem muita gente que não vem votar porque não tem condições financeiras. Me ajudou bastante, porque se eu fosse pagar outro transporte eu ia gastar R$15 para vir e R$15 para voltar. R$30 que iam fazer falta”, avalia.
Sentada no banco de um dos ônibus da linha Nova Vida, Edna conta que tirou o título aos 16 anos – vota desde quando ainda nem era obrigada. Tem orgulho de dizer que em 30 anos como eleitora só deixou de comparecer a um pleito, e que não iria perder esse. O ônibus para e ela desce. Uma caminhada de pouco mais de 250 metros e ela chega ao seu local de votação.
“É um direito que me permite cobrar de quem é eleito”, diz Edna sobre o voto, enquanto atravessa a rua para entrar na escola. Poucos minutos antes de cruzar a porta da seção e apertar os dois dígitos que mudariam não só a vida dela, mas a de 215 milhões de brasileiros, a eleitora fala sobre quanta justiça cabe nessa troca: o eleitor ser obrigado a votar, e o poder público proporcionar meios para que isso aconteça.
No sistema democrático cada voto importa. Por isso, para Ana Ximenes, independentemente da quantidade de pessoas que foram beneficiadas com a gratuidade, a atuação conjunta dos órgãos públicos teve um efeito positivo e passa uma mensagem de valorização à cidadania. “Além dos votos que foram colocados nas urnas eletrônicas pelas pessoas que utilizaram o transporte coletivo, tem o efeito moral. É a mesma coisa que a Prefeitura dizer ao cidadão ‘vá votar. Votar é importante’. É uma mensagem de cidadania. Eu acho muito importante que as pessoas realmente exercitem o direito ao voto”, reforça a promotora.
Uma hora após sair de casa, Edna já havia dado sua contribuição para a democracia brasileira. Dali partiria para a casa da mãe, que fica no mesmo bairro. A camisa de apoio ao seu candidato ficou guardada na mochila. Por medo de sofrer alguma retaliação preferiu vestir só quando chegasse ao próximo destino.
A volta para casa aconteceria após o almoço em família, novamente usando o transporte gratuito. Já a noite seria assistindo a apuração dos votos. No fim do dia o Brasil teria um novo presidente, e o desejo de Edna, independentemente do resultado, é de que num futuro próximo todos os seus direitos como cidadã dessa pátria sejam assegurados, como foram neste 30 de outubro.
E para que isso aconteça, não basta apenas que os eleitos cumpram suas promessas e projetos. Mas também que instituições como o MP tenham autonomia e independência para atuar.
“O lugar do Ministério Público, não é ser só um ator intraprocessual. Ele também é um ator dentro do jogo democrático. Nós temos um lugar de fala e o nosso lugar de fala é esse, é o da defesa do voto, é o da defesa da lisura do processo eleitoral, da manutenção na preservação da nossa democracia”, finaliza Ana Ximenes.
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