Talvez seja difícil acreditar que uma mulher com três filhos, nunca tenha desejado ser mãe quando mais jovem, mas para Ozélia Ferreira Campos Medeiros, 51 anos, a maternidade sempre foi sinônimo de medo. Nascida e criada em Mossoró/RN, Ozélia e seus cinco irmãos cresceram sob os cuidados da mãe Ana Ferreira Campos, após os pais se separarem quando ela ainda era bem pequena. A infância e a adolescência foram cheias de dificuldades, principalmente financeiras, mas a maior recordação que ela guarda dessas épocas é a da força de dona Ana, que nunca permitiu que nenhum de seus filhos dormissem de barriga vazia. Assistir às batalhas da mãe fez Ozélia admirá-la, mas também a afastou de qualquer futuro que envolvesse a maternidade.
“Não pensava nisso! Ser mãe, depois de ver todo o sofrimento que a minha mãe passava para criar, educar, cuidar dos filhos, me dava medo! Sou filha de pais separados e aí, como sempre a vida foi difícil, tive que amadurecer, vendo toda a luta da minha mãe. Então, ser mãe, era algo que não imaginava, queria mesmo era vencer na vida, trabalhar, ser uma ótima profissional, ganhar muito dinheiro e ajudar a minha família. Esse era o propósito…”
Ozélia sempre viu no trabalho e na formação profissional o futuro dela, aprendeu isso vendo sua mãe. Aos 10 anos começou a trabalhar e ajudar nas contas de casa. Aos 21, surgiu a oportunidade de sair de Mossoró para fazer faculdade. Chegou a pensar em fazer vestibular para o curso de Direito, mas como o material de estudo custava muito caro, resolveu se inscrever para Serviço Social na Universidade Federal da Paraíba, em João Pessoa. Começou a faculdade com muito foco, morando na Residência Universitária. Sempre se dedicou aos estudos e buscou bolsas e estágios. O plano era permanecer nesse caminho, até ter um diploma, conseguir um emprego e alcançar o tão sonhado sucesso profissional. Mas quando voltou para casa de férias depois de concluir o primeiro período da faculdade, Ozélia conheceu numa conversa de calçada entre amigos, Ricardo Medeiros, seu marido.
“Minhas amigas falaram que ele era um rapaz estudioso, que era um ótimo filho, que era um ótimo irmão, que era um profissional exemplar, que era isso, que era aquilo.
Aí eu, imediatamente, disse: Quero conhecer esse rapaz, quero casar com ele!! Isso, na brincadeira, é claro”.
A brincadeira ficou séria, e eles começaram a namorar à distância, ela estudando em João Pessoa e Ricardo trabalhando em Mossoró. Até que no último ano da faculdade, sem planejamento, Ozélia engravidou do seu primeiro filho. Apesar da parceria e segurança que Ricardo transmitia, ela começou a experimentar os amargos da maternidade tendo que passar boa parte da sua gestação sozinha. “Foi uma barra… Na época, iniciando a monografia, com estágio remunerado (trabalhava e estudava), e ainda estava morando na Residência Universitária… Foi um aprendizado na luta, parecia que o mundo havia desabado na minha cabeça três vezes…”, conta Ozélia. No ano em que o primogênito Lucas Ismael nasceu, ela se casou e conseguiu finalmente se formar. Três anos depois, já com a família estabilizada em Mossoró, veio o segundo filho, Gabriel Henrique – também não planejado.
MÃES QUE CUIDAM DE MÃES
Apesar dos medos, desde o momento em que soube que estava grávida nas duas vezes, Ozélia aprendeu a ter coragem. Escolheu ser mãe, amar e cuidar dos filhos. Ajudava nas tarefas da escola, levava para a casa dos amigos, comemorava os aniversários. Essas e tantas outras funções de mãe foram sendo conciliadas com algo que ela não abria mão: o trabalho. O cansaço e o estresse de uma dupla – às vezes tripla – jornada de trabalho, eram constantes. Nesse período, ele encontrou em outras mães uma rede de apoio que a ajudou a conseguir conciliar filhos, casa e trabalho.
“Eu sempre tive pessoas que me ajudavam na luta da casa, ficar com meus filhos diariamente para eu ir trabalhar. Eram mães, como eu, que saiam também de casa, deixavam seus filhos, com outras mães, que elas também pagavam pra ficar com seus filhos, para virem cuidar dos meus. Isso é muito doido, se a gente for parar pra pensar… Um ciclo de mulheres que se ajudam. Claro por pura necessidade, para ganhar dinheiro para sobreviver, mas é muito bonito, mulheres ajudando umas as outras”.
Quando estava com quase 40 anos, pela terceira vez Ozélia ficou grávida – novamente sem planejamento. Diferente da primeira, a gestação do seu terceiro filho foi tranquila. Ela se considerava uma mãe madura e pronta para criar o caçula Guilherme, da mesma forma como fez com Lucas e Gabriel. Apesar de mais uma criança para cuidar, ela decidiu intensificar sua rotina de trabalho: “… O trabalho sempre veio pra mim, como liberdade. É libertador você ter o seu próprio sustento, sua independência, isso sempre me fascinou! E eu, buscava isso… Na época que engravidei de Guilherme, foi o ano que mais trabalhei na minha vida, eu quis até me culpar…”. E foi saindo de casa um dia, na pressa atrasada para o trabalho, que Ozélia percebeu no olhar de Guilherme, que ele precisava de mais atenção.
“SER MÃE DE AUTISTA NÃO É A COISA MAIS LINDA, MAS É TRANSFORMADOR”
Se antes o azul já fazia parte das paredes e roupas da casa de Ozélia, depois da chegada de Guilherme, a cor ganhou outro significado. Por volta de 2012, quando Guilherme tinha dois anos, Ozélia começou a desconfiar que tinha algo de diferente no filho, e buscou especialistas. Foi então que veio o diagnóstico: Transtorno do Espectro Autista (TEA). Como a maioria das mães de crianças autistas, ela enfrentou o choque do diagnóstico.
“De repente, sem ninguém me perguntar se eu aceitava, ou se eu estava preparada, recebi o diagnóstico de Guilherme. Lembro demais como me foi revelado, de uma forma rápida e bem fria:” Seu filho é autista, vá para casa, leia mais sobre o Autismo, siga essas orientações de terapias, tente ao máximo, socializá-lo e siga sua vida!”. Naquela tarde, meu mundo ficou cinza… Naquele momento eu me senti sem chão. Não sabia quase nada sobre Autismo e nem por onde buscar…Quis ficar dentro de uma rede por horas, quis achar que não daria conta, e me perguntei várias vezes: Por que eu? Logo eu?”.
Com o apoio do marido, Ozélia se reergue, arregaçou as mangas e deu início ao o que seria o seu maior e mais importante trabalho: a luta pelo autismo. Começou a ler sobre TEA, fez cursos e buscou profissionais, fez todo o possível para se capacitar para cuidar de Guilherme. Cada fase e situação pelas quais ela tinha passado com os outros dois filhos, com Guilherme era diferente, e mesmo com toda a experiência materna ela teve que reaprender a ser mãe. “Com Guilherme, todo o processo de escola foi difícil. Com Guilherme, toda a programação de festa de aniversário de amiguinhos era doloroso. Com Guilherme, passeios, idas a casa da vó, descer para ir ao parquinho, idas em supermercados, passeios a praia, tudo é difícil… Tudo termina em estresse, em correria ou cansaço, físico e emocional nosso, mãe e pai… Não é fácil, não é tão belo”, explica Ozélia.
Foram – e continuam sendo – muitas as batalhas que ela começou a travar pelo seu caçula. Enfrentou o preconceito e julgamento de muitas pessoas que não entendiam a condição de seu filho. Se engajou em associações e grupos de mães e pais que também têm filhos autistas e começou a lutar pelos direitos que toda criança com TEA tem, mas que são constantemente negligenciados, como o acesso à educação inclusiva. Com o passar dos anos ela percebeu que Guilherme precisaria de mais atenção e cuidado do que ela já dava, foi ai que veio a decisão de que dali para frente o maior ofício da sua vida seria proporcionar para o filho a melhor qualidade de vida possível.
“…Passei a trabalhar menos, porque mais importante que o trabalho, que o dinheiro, é acompanhar meus filhos diariamente. Cuidar, brincar, ouvir, dançar com ele, acordar a hora que quiser, fazer pipoca, brigadeiro, sem aquele estresse de não poder porque não podia chegar atrasada no trabalho… Costumo dizer que talvez esse foi o maior propósito da vinda do Gui à nossa família: estreitar laços. Depois do Gui, sou uma Ozélia melhor… Um amor no coração de transbordar e uma vontade de querer fazer pelo outro ser humano, tudo que eu puder. O Autismo não é a coisa mais linda desse mundo, não é fácil! Mas, é transformador!”.
Hoje os dias dela são dedicados aos cuidados dos filhos, em especial Guilherme. Acompanhá-lo na escola, nas consultas, nas terapias e em casa. A participação em palestras, cursos e manifestações, o cuidado com sua própria saúde, tudo é em prol dele. Para ela, o significado de ser mãe é altruísmo. “Meu maior desafio para com Guilherme é fazer um mundo melhor para ele, e eu me desafio a cada dia. Sendo essa mãe, que luta, que briga, que vai atrás, que surta, e que chora também, para que os direitos dele sejam executados, para que ele seja bem visto, aceito, entendido, acolhido em todo lugar!”, afirma Ozélia.
A chegada de Guilherme transformou Ozélia enquanto mãe, e transformou toda a família também. O aprendizado é diário, alguns dias são mais difíceis, outros mais fáceis, e ambos tem uma coisa em comum: o ser presente. Hoje o maior desejo dela, além de que seus meninos cresçam e sejam pessoas felizes, com valores, que tenham empatia e ajudem quem precisa sem hesitar, é que independente de onde a vida os leve, ela continue sendo presente.
“Eu quero sempre ser casa para os meus filhos. Eu quero sempre ser lar para os meus filhos. Eu quero que eles sigam, mas quero que eles estejam… E isso é muito desafiador! Eu quero está na vida deles sempre como presença necessária, sabe? Não só como uma mãe a quem eles devem visitar! Você entende? Eu quero ser necessária a vida toda!”.
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